sábado, 3 de novembro de 2012

Um apagão, dois brasis


“Um apagão, dois brasis”. A manchete do jornal Diário de Pernambuco no dia seguinte ao blecaute que deixou às escuras todos os estados do Nordeste e alguns do Norte do Brasil merece os elogios que recebeu em blogs e redes sociais, por parte de seus conterrâneos. 

“O editor-chefe do Diário do Pernambuco merece todas as felicitações por isso”, escreveu Thiago Florentino em seu blog pessoal, apenas para citar um exemplo. Na boa, fiquei fã deste cara. Enquanto os grandes jornais do Nordeste se limitaram a noticiar o apagão pelo gancho da informação dura e simples, informação essa já amplamente comentada na internet e outros meios eletrônicos, o Diário de Pernambuco estampou essa "genial" manchete em sua capa, para me apropriar do adjetivo atribuído pelo site Nação Nordestina em sua página no Facebook. 

Entre as demais chamadas de capa, lê-se o seguinte item: “Preconceito – nas redes sociais, o apagão do Nordeste foi o assunto mais comentado no país,porém a onda de insultos e ironias aos nordestinos reapareceu das piores formas. Veja o que foi dito no Twitter”. No site do veículo, advogados comentam o caso e avisam que há implicações jurídicas para o preconceito manifestado nas redes sociais, na matéria intitulada #apagão: ofensa virtual, consequência real

Esta é outra abordagem interessante porque vai além de apenas mencionar a onda de preconceito gerada pelo apagão entre os usuários da rede social, mas estabelece nexos com outro caso semelhante – o da estudante Mayara Petruso. Em 2010, ela foi condenada a um ano de prisão pela Justiça Federal de São Paulo, pelo crime de racismo por ter divulgado em sua página pessoal do Twitter ofensas aos nordestinos. Gente, é para isso que serve o jornalismo! Já dizia Adelmo Genro Filho: jornalismo é uma forma social de conhecimento. Por isso, deve estabelecer nexos que ultrapassam o senso comum - e o que dizem as redes sociais.

Mas o Diário de Pernambuco solou nesse desdobramento para a cobertura do apagão. Não só pelo já mencionado panorama dos concorrentes regionais, mas também porque nos jornais do centro do país nem mesmo colunistas de tecnologia comentaram a “disputa” no Twitter. De forma bastante tímida, o site da Folha de S. Paulo citou a repercussão na seção Painel do Leitor “Usuários estão aproveitando o assunto para criticarem os Estados de outra região. Enquanto os moradores da região Sudeste fazem piadas sobre nordestinos, esses lembram que é para lá que as pessoas viajam no verão”.

Não é que a mídia tenha faltado na cobertura ao acontecimento propriamente dito. O blecaute foi o tema de abertura do Jornal Nacional de 26 de outubro, esteve em destaque o dia todo nos principais portais de notícias, entre eles o próprio site do jornal Folha de S. Paulo e portais como G1 e Terra. Mesmo no Sul, o jornal Zero Hora, por exemplo, suitou o tema com um questionamento regional, sobre a possibilidade de desabastecimento durante o verão no Rio Grande do Sul.

As redes sociais até foram citadas no noticiário, principalmente nas primeiras horas após o blecaute, quando as informações eram ainda escassas. Esse uso demonstra uma interface legítima entre redes sociais e acontecimento e até mesmo entre leitor e repórter. No entanto, a perspicácia (solitária) do editor-chefe do Diário de Pernambuco mostra como a grande mídia ainda ignora, de certa forma, o que se discute nesses ambientes. 


É claro que o acontecimento é soberano e, nesse caso, o acontecimento era, de fato, o blecaute no Nordeste, que logo se sustentou na pauta dos veículos da mídia estabelecida. O preconceito manifestado pelos usuários da rede social de maneira alguma deveria se sobrepor à pauta do dia – o apagão – mas não precisaria ter sido silenciado como foi. A interpretação e as repercussões desse episódio, salvo o jornal pernambucano, se restringiram ao mesmo espaço em que começaram: redes sociais e blogs.

Sou gaúcha e até me divirto com o bairrismo exacerbado do Rio Grande do Sul, mas não vejo motivo algum para um problema como o apagão disparar esse tipo de manifestação xenofóbica nas redes sociais. Aliás, não vejo sentido algum no preconceito, regional ou qualquer outro. E acho que o jornalismo também deixa de fazer sentido quando ignora esse tipo de repercussão, perdendo a oportunidade de discutir questões importantes sobre os valores (ou desvalores) do senso social. Palmas para o Diário de Pernambuco.

De onde saiu isso:

Fiquei acompanhando a repercussão do apagão no Twitter, desafiada pelo professor Ronaldo Henn, para finalizar atividades de um seminário de Redes Sociais, no mestrado da Unisinos. 

Na noite de 25 de outubro de 2012, um problema de abastecimento de energia elétrica atingiu a região de forma generalizada. Em alguns pontos, a eletricidade foi restabelecida apenas no dia seguinte. 

Nesse meio tempo, o “apagão” ficou entre os temas mais comentados do Twitter em dois momentos distintos. Primeiro, os tuítes davam conta de comunicar o apagão propriamente dito, por meio da hashtag #apagao. Horas depois, a mesma tag passou a povoar a timeline com comentários preconceituosos de internautas, aparentemente, do Sudeste e do Sul do país. Surge, então, uma segunda tag, usada como “resposta” aos sulistas preconceituosos: #VivaoNordeste. A tag virou uma espécie de campanha pelo orgulho nordestino, mobilizando usuários da rede, e logo superou a hashtag #apagao nos TTs (trend topics) do Brasil, ocupando a primeira posição na manhã do dia 26 de outubro de 2012. 

Salvo publicações isoladas, o desvio de rumo da discussão do acontecimento nas redes sociais foi solenemente ignorada pelos veículos da grande imprensa, inclusive os do Nordeste.

quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Os super-heróis da Redação


Clark Kent, quem diria, não resistiu às transformações do jornalismo. É que ser jornalista nos dias de hoje é tarefa mesmo para super-heróis – e olhe lá.

A notícia criptônica da demissão do Super-Homem diz que o motivo do pedido é a transferência do controle do Planeta Diário a um conglomerado de mídia mais preocupado com entretenimento do que com notícias. O destino do "único veterano grisalho interessado em reportagens" será migrar para a internet.

Nada mais verossímil. Tenho dividido minha jornada diária entre o trabalho como repórter e a pesquisa em jornalismo. Em ambos, interessada nos dilemas enfrentados por Clark Kent e todos os colegas da categoria. Verdadeiros super-heróis.

É preciso descobrir histórias inéditas, acompanhar os assuntos do dia nas redes sociais, abastecer o noticiário em “tempo real”, produzir material multimídia, seja em áudio, vídeo, áudio e vídeo, newsgames, banco de dados interativos, quiz ou enquetes. E ainda escrever um bom texto para a edição do dia seguinte, com apuração aprofundada e abordagem diferenciada.

Não está fácil fazer jornalismo hoje em dia. Muito menos fazer jornais. Na terra de Clark Kent, títulos de renome já deixaram de ser impressos. No mundo todo, pesa sobre os jornalistas a necessidade de se adaptar aos novos tempos e incorporar novas rotinas de produção de conteúdos para múltiplas plataformas, o que obriga, de fato, veteranos grisalhos a migrarem para a internet.

Quis seguir a carreira de Clark Kent porque, assim como ele, acredito que o jornalismo deva se ocupar de notícias – e isso independe da plataforma. Apesar da morte anunciada do jornal impresso, tenho fé de que o jornalismo possa ter vida longa se ainda houver super-heróis a postos na Redação. 

É por isso que, enquanto o homem de aço do Planeta Diário pede para sair, sigo tentando reunir forças para descobrir minha vocação para Mulher Maravilha.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Para além da frieza dos números

“A dor de quem leu o nome do amigo no jornal não cabe na contabilidade.” 

O Grêmio tinha acabado de ceder um empate aos 45 minutos do segundo tempo, enterrando o sonho de título no campeonato Brasileiro, quando publiquei a macabra matéria que se repete a cada fim de feriado contabilizando os mortos do fim de semana e chamei um colega para jantar.

Entre lamentações tricolores e comentários sobre o cardápio, houve tempo para falar da forma sombria como acabamos lidando com a morte numa Redação de jornal.

Falamos em “balanço” de mortes como se não se tratasse de vidas interrompidas. E que palavra difícil de engolir esta: acidente. O nome disso sugere que poderia ter sido evitado. Um acidente é um descuido, um imprevisto, uma estupidez. A morte é uma estupidez. O modo como cobrimos a morte é uma estupidez.

Mas depois do balanço começam a se revelar histórias de personagens por trás daqueles números. Além das vítimas, pais, mães, noivas, maridos, filhos, amigos. Aí deparo com a declaração de uma menina de 17 anos: “Nunca imaginei que iria perder um amigo assim”. Um amigo perdido não é apenas um número na estatística.

A dor de quem leu o nome do amigo no jornal não cabe na contabilidade. Só de pensar, um dia, ouvir o policial do outro lado da linha dizer o nome de algum dos meus, arrepia até meu último fio de cabelo. 

Ninguém está livre, disse meu colega na janta. De fato, não estamos. Afinal, somos jornalistas, porém humanos. Sentimos, sofremos, vivemos – e morreremos como todos. É bom que tenhamos isso em mente, para não perdermos a capacidade (humana) de contar histórias (humanas) para além da frieza dos números.

Somos jornalistas para contar histórias, não para fazer contas.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

Temo por minhas extensões maquínicas

Se meu apartamento fosse um filme de ficção científica eu temeria que os eletrodomésticos estão armando um ataque contra mim. O micro-ondas se recusa a aquecer meu café. A lavagem rápida da máquina de lavar roupas promete 30 minutos, mas demora duas horas para terminar o serviço. O aquecedor elétrico resfria em vez de aquecer. E a televisão tenta me irritar com cortes sucessivos no som.

Enquanto tento driblar o livre-arbítrio dos aparatos técnicos ao meu redor, o Jornal Nacional transmite uma reportagem justamente sobre uma exposição chamada “Emoções tecnológicas”. Não falta mais nada.

Acho que foi a aula de ontem sobre McLuhan que me trouxe à lembrança os devaneios dos meus primeiros anos na pesquisa em comunicação. Para o pesquisador canadense mais pop da ‘aldeia global’, os meios são extensões do homem: a roda uma extensão do pé, a roupa uma extensão da pele. E os aparatos técnicos não param de evoluir e estender nossas capacidades – ou seriam as capacidades deles mesmos?

O limite potencialmente atenuado entre o humano e o tecnológico acabou gerando um imaginário apocalíptico amplamente representado em narrativas de ficção científica cada vez mais verossímeis. Mutantes, robôs, ciborgues e coisas do gênero já nem parecem tão ficcionais assim.

Falo sério, temo pelos devires da ficção científica. Quem brinca com isso é uma dupla humorística da Austrália, que criou há um tempo um quadro de “pegadinhas” na televisão chamado Almost Tranformers. Qualquer semelhança com minha suspeita de que estou à beira de um ataque dos aparelhos domésticos pode não ser mera coincidência.



segunda-feira, 26 de março de 2012

O diploma é o de menos

Enquanto a gente se preocupa com o diploma - e olha que não poucas vezes defendi a obrigatoriedade deste por aqui -, o jornalismo passa por uma crise de identidade muito mais avassaladora que a instabilidade da categoria.

Mais do que se preocupar com a regulamentação da profissão e até com a definição da fronteira teórico-epistemológica em que se situa a comunicação (tipo de coisa com que temos nos ocupado em discutir nas aulas do mestrado ultimamente), é preciso prestar atenção no que o jornalismo está se tornando ou em que pode ser transformado diante dos avanços tecnológicos que estão por aí.

Não é a primeira vez que a inovação tecnológica muda formatos, cria gêneros, redefine modos de produção jornalística. Mas é a transformação da qual somos atores. É preciso pensar nisso...

Os robôs vão substituir os jornalistas?

Não deixe a ironia passar despercebida: plataformas automatizadas agora "escrevem" reportagens sobre empresas que ganham dinheiro com transações automatizadas. Essas reportagens terminam influenciando o sistema financeiro e ajudam os algoritmos a identificar transações ainda mais lucrativas. Em termos práticos, o que temos é jornalismo produzido por robôs e para robôs. O único lado positivo da história é que o dinheiro todo fica para os seres humanos. Leia o texto completo na Folha

sexta-feira, 9 de março de 2012

Eu devia ter feito Engenharia

Não sou nenhum gênio da matemática e não entendo nada de geometria espacial, mas eu devia ter feito Engenharia.

Devia ter feito Engenharia porque não tem lógica um ônibus urbano com portas no meio. Simples: o cidadão que vai descer na parada seguinte fica ali, perto da porta, aí quem entra no ônibus não consegue passar da roleta.

Se a porta fosse no fundo (como era antigamente), o cidadão que quer descer vai se dirigindo para o fundo do ônibus, consequentemente, libera espaço na frente e os passageiros que entram conseguem pelo menos passar pela roleta.

Nada que uma aula de física do segundo grau não resolva. Mas aí os caras passam o dobro do tempo que um jornalista na faculdade para fazerem esse tipo de coisa.

Não dá para estimular o uso do transporte coletivo com uma situação dessas. Só que eu sei disso porque sou jornalista. Devia ter feito Engenharia para não precisar andar de ônibus.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Comerciante de São Jerônimo dá à luz quadrigêmeos

Dilcimara e Luiz Carlos Baierle | Foto:  Taís Seibt 

A comerciante Dilcimara Baierle, 37 anos, sempre sonhou em ter gêmeos. Mãe de duas meninas — Vitória, 13 anos, e Nicolly, quatro — tinha parado de tomar a pílula anticoncepcional para tentar um menino. Quase matou o marido de susto quando chegou em casa com a notícia de que viriam dois meninos e duas meninas. Luiz Carlos Filho, Isabella, Sophia e Luiz Felipe nasceram entre as 22h37min e as 22h40min de sábado, no Hospital Mãe de Deus, em Porto Alegre, pesando, em média, 1,3kg.

— Teremos que mudar bastante a rotina, já diminuí a sala para aumentar um quarto e vamos ter de contratar duas babás para ajudar, mas estamos muito felizes — relata a mãe, que a toda hora sai do quarto para dar uma espiada nas crianças pelo vidro da UTI neonatal.

A quadrimãe, natural de Rio Pardo, mora com a família em São Jerônimo, e já tinha fixado residência no hospital em 18 de janeiro, devido aos riscos da gestação. De acordo com a obstetra e especialista em gestação de alto risco Janete Vettorazzi, graças à boa saúde e à internação precoce da mãe, o quarteto alcançou uma marca rara: nasceu com 30 semanas, enquanto a média, nesses casos, é de 28.

De acordo com a médica, os bebês só poderão ir para casa quando atingirem pelo menos 2kg, o que deve demorar cerca de dois meses. Seriam quatro, em casos típicos. Nesse tempo, Dilcimara, que receberá alta nesta semana, vai ficar na casa de uma amiga na Capital, para não se afastar das crianças.

Gêmeos na famíliaEmbora a concepção natural de quadrigêmeos não seja comum, a hereditariedade está a favor de Dilcimara, que tem gêmeos bivitelinos entre tios e primos. Esse fator, segundo a obstetra Janete, foi determinante. O caso era delicado tanto pela idade — toda gravidez acima dos 35 anos é considerada de risco — quanto pelo tamanho do útero.

— As chances de rompimento do útero são muito grandes, o que coloca em perigo tanto a mãe quanto os bebês — destaca a médica.

Devido ao alto risco, o parto de quadrigêmeos é uma megaoperação: foram dois obstetras, dois anestesistas, quatro pediatras, três enfermeiras e quatro técnicas de enfermagem. Sem contar a preparação da UTI e os profissionais que ficaram de sobreaviso para o caso de complicações.

Tudo correu bem, mas os cuidados não param após o parto. Os bebês precisam ganhar peso e a mãe ainda corre riscos de sangramento, precisa tomar medicamentos para que o útero volte ao tamanho normal e tem de estimular a produção de leite para poder amamentar os filhos quando todos estiverem em casa.

Leite, aliás, é uma das preocupações da família. Assim como fraldas. Serão necessárias cerca de 1,5 mil fraldas por mês. Enquanto atende os telefonemas de familiares e amigos dando os parabéns, Dilcimara torce para que a solidariedade se transforme em doações. Interessados em ajudar podem enviar e-mail para vinicksj@gmail.com.

*Texto originalmente publicado em Zero Hora.

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Plauto Cruz, o chorão

Plauto Cruz | Foto: Stéfanie Telles
Flautista de 82 anos foi homenageado por jovens músicos de Porto Alegre por seu legado para o choro, considerado o primeiro estilo musical urbano brasileiro

Uma figura simples, singular, Plauto Cruz. A declaração é do radialista Glênio Reis, para o documentário O choro é livre, produzido por alunos de Jornalismo da Unisinos no segundo semestre de 2011. O vídeo abriu a noite de homenagem ao flautista na Livraria Cultura do Shopping Bourbon Country, em Porto Alegre, na quinta-feira, 26.

Quando Plauto apareceu no vídeo pela primeira vez, uma voz infantil no meio da plateia deixou escapar a pergunta: "Ele tá aqui?". Sim, ele estava atrás do telão. Revelado ao público após a exibição do documentário, um Plauto sorridente recebeu os aplausos e agradeceu: "Muito obrigado, muito obrigado e, mais uma vez, muito obrigado". Simples assim. Pegou a flauta e acompanhou o grupo de chorões comandado por Paulinho Parada em Choro para Agnaldo.

Aos 82 anos, ele não só tinha fôlego de sobra para soprar algumas notas como também tinha ouvido crítico o bastante para reclamar da afinação do instrumento: "Tem umas três notas na flauta que desafinam e eu não quero tocar se não sair, peço desculpas a vocês". Como se alguém fosse se importar. A noite era de homenagem, de chorões para um chorão. Um, não. Plauto é o chorão.

Enquanto o grupo tocava Nora, uma valsa composta pelo flautista, o velho chorão descansou a flauta no colo e secou uma lágrima dos olhos. Plauto Cruz, que transforma sentimentos em notas musicais, também se emociona com seus próprios acordes. E assim, o choro _ musical ou lacrimal _ brotava da alma para tomar conta da plateia, tanto quanto do palco. Tanto quanto de Plauto, que, com voz embargada, arriscou-se a dizer que irá compor um novo choro, dedicado ao grupo que o presenteava naquela noite com belos arranjos para suas composições.

Mas quem apresentou uma nova composição foi o jovem bandolinista Elias Barboza _ insistentemente chamado de César por Plauto, arrancando risos do público noite adentro. Chamava-se Choro para Plauto Cruz. "Além de ser um grande mestre do choro, ele era amigo do meu avô, que era acordeonista. Tocar ao lado dele foi uma honra", disse Elias, que tem apenas 24 anos e arrancou elogios rasgados do ídolo com quem dividia o palco naquela noite _ nem levou em conta o nome trocado.

Passado, presente e futuro do choro

O repertório da homenagem teve espaço também para músicas como Naquele Tempo e Carinhoso, de Pixinguinha. Na primeira, Plauto manifestou ter saudades de seus 18 anos. Na segunda, o que se revelou foi o cantor Plauto Cruz, com ajuda da plateia nos conhecidos versos de amor. Amores não faltaram para inspirar o choro do flautista. Ele compôs Força atraente para sua esposa, mãe de seus filhos, já falecida. Tema de Amor era dedicada a uma namorada que tinha 19 anos _ quando ele tinha 50.

Eram tantas lembranças que ele insistiu em cantar mais uma, sem ensaio, na moda "pega pra capar", conforme definição dele mesmo: "É sempre bom lembrar coisas passadas" cantou nos primeiros versos de Porto dos Casais, conhecida na voz de Elis Regina.

Só que Plauto Cruz não é passado, é presente, estava no palco para inspirar a aprendiz de flautista Sofia Lopes de Castro, de oito anos, a dona daquela voz infantil que se ouviu na plateia no início da noite. Quem sabe uma futura chorona? "Trouxe ela aqui para criar a próxima geração do choro, nada melhor do que o grande mestre para dar o exemplo, ainda mais poder ver que ele está lúcido e segue animado com a música", disse a tia de Sofia, Ligiane Panosso.

Prova de que o choro não é nem jovem nem velho, é clássico. E foi Choro Clássico, a música em que Plauto mais "caprichou", segundo ele, a última música da noite. Aliás, a penúltima. Para Plauto, a última "é quando capota". E ele estava de pé, com flauta em punho, roubando a cena no palco. Chorou, sorriu, fez chorar e fez rir. Glênio Reis tinha toda razão. Plauto Cruz é uma figura ímpar, singular. É o chorão em tom maior.

Sobre Plauto Cruz

Plauto de Almeida Cruz nasceu em 15 de novembro de 1929, na cidade de São Jerônimo, a 70 quilômetros de Porto Alegre. Por influência de seu pai, músico, Plauto começou a tocar flauta desde criança. Nos anos 40, Plauto se mudou para Porto Alegre com o desejo de fazer da música o seu instrumento de trabalho. Aos 23 anos, o flautista deu início à carreira. O rádio foi o grande propulsor do sucesso. Plauto gravou 40 LPs com grandes nomes da música brasileira. Como solista, tem quatro LPs e, aos 69 anos, gravou o primeiro dos seus seis CDs. Entre os músicos que tocaram com Plauto estão Lupicínio Rodrigues, Jessé Silva, Tulio Piva, Nelson Gonçalves, Altemar Dutra e Elis Regina. É considerado um dos principais expoentes do choro, primeiro estilo de música urbana brasileira, surgido em meados do século XIX.

Músicos no show de homenagem

Paulinho Parada _ violão (direção musical)
Elias Barboza _ bandolim
Gerson Barboza _ sete cordas
Juliana Rosenthal _ cavaco
Jorge _ pandeiro

Documentário "O choro é livre"

Direção _ Giórgia Bazotti
Roteiro original _ Felipe Nabinger e Andressa Bohl
Roteiro adaptado _ Giórgia Bazotti e Juliane Pimentel
Diretor de imagem _ Felipe Nabinger
Assistente de direção _ Juliane Pimentel
Produção executiva _ Simone Nunes
Produção _ Taís Seibt e Luana Guimarães
Decupagem _ Eduardo Herrmann, Eduardo Pedroso e Juliane Pimentel
Locução _ Taís Seibt
Edição _ Eduardo Teixeira
Finalização _ Eduardo Teixeira
Trilhas _ Plauto Cruz

*Texto originalmente publicado no JU Online




sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Chegou a hora de pegar o canudo!

"Daqui pra frente,  ficam os amigos mais próximos para a vida e aqueles colegas que vamos reconhecer pela assinatura de um release, um crédito numa foto ou mesmo ver pela TV."


Até hoje, eu me definia neste blog como um “projeto de jornalista”, em consideração pelos colegas que têm diploma para exercer a profissão. A partir de amanhã, eu também terei um diploma. Após longos – mas muito bem vividos! – oito anos de estudos e uma luta árdua para pagar as contas (principalmente a da faculdade). A partir de amanhã, deixo de ser um projeto para ser jornalista diplomada. Na prática, não muda muita coisa. Na teoria, muda tudo.

Sou da opinião de que estamos sempre em formação. O dia em que eu sair de casa de manhã cedo -  cedo mesmo, pelo menos até hoje! - para trabalhar e voltar no fim da tarde sem ter aprendido nada de novo, então não é só a profissão que perde o sentido, mas a vida. Como eu gosto de repetir – e já escrevi em algumas crônicas por aqui – já dizia meu pai, ninguém mandou ser jornalista, “tu escolheu isso aí”. Escolhi, sim, essa profissão. Quis ser jornalista porque eu queria mudar o mundo. Outro dia, dizia eu que, se não podemos mudar o mundo, é possível mudar pelo menos a realidade que nos cerca. Faltou dizer que a realizada mais cerca de nosotros é o interior de nós mesmos.

Já faz um tempo que convivo no ambiente da Redação diariamente – incluindo sábados, domingos e feriados, conforme escala. Taí uma palavra cada vez mais presente nas rodas de conversa de ex-colegas de aula: escala. A outra palavra tão comum quanto e com quase com o mesmo sentido é ‘plantão’. Vamos pra praia todo mundo junto de novo, como naquele Carnaval? “Não sei, tenho que ver minha escala”. Vamos ver o jogo do Grêmio domingo? “Não vai dar, tô no plantão”. E por aí vai. A vida social de um jornalista não é tão simples quanto pensa. Tanto quanto a vida financeira. Mas né, ninguém mandou!

Fato é que, como boa ‘foca’, saio de casa empolgada todas os dias/madrugadas para trabalhar porque sei que algum gigante do jornalismo vai sentar do meu lado em algum momento e me dar uma lição de humildade. Ou então algum motorista que me levar para uma pauta vai me fazer lembrar do quanto um jornalista é capaz de intervir na formação de opinião de cidadãos ditos comuns. Isso sem contar os tais ‘especialistas’ que acabo consultando diariamente para explicitar algum fato cotidiano e tentar traduzir para qualquer leigo, como eu, entender o que está acontecendo.

Fato é que, a partir de amanhã, terei um diploma para colocar na parede. Não que eu não tenha aprendido nada com a faculdade, aprendi muito, claro. Mas o que vai deixar saudade mesmo é o convívio no ambiente universitário. Posso afirmar que vivi intensamente os melhores anos da minha vida até aqui. Seja no tempo do ônibus de Gramado, jogando 66 e parando no posto às quintas-feiras, seja na era Dom Guilherme, entre festas no apê e encontros extraclasse no Bar da Rita, do Alemão ou do Rock. Isso acabou. Daqui pra frente, claro, ficam os amigos mais próximos para a vida e aqueles colegas que vamos reconhecer pela assinatura de um release, um crédito numa foto ou mesmo ver pela TV.

Fato é que, como legítima guria do interior, coloco o ponto final neste texto com muitas lágrimas nos olhos. E um canudo na mão!