terça-feira, 27 de agosto de 2013

A neve que não esqueço

Foto: Roni Rigon/AgenciaRBS

"A lomba na frente de casa era tão escorregadia que dava quase para esquiar."


Nunca houve, para mim, uma neve como aquela de 1994. Faz quase 20 anos, mas me lembro como se fosse hoje. Se isso significa que já não sou mais tão guriazinha, representa também o quanto um fenômeno da natureza pode ser mágico. 

Era uma sexta-feira, eu estava saindo da escola. Lembro ainda dos pingos do chuvisqueiro caindo no pátio. No caminho até em casa, o chuvisqueiro virou gelo. Era neve! O xaxim do terreno da vizinha do lado ficava branquinho a cada floco que congelava na folhagem.

A mãe foi lá pegar a máquina fotográfica para registrar a cena no álbum de família. Não se tinha essas facilidades de celular com câmera naquela época, nem Facebook para compartilhar . Os registros daquele dia estão em uma estante na casa da minha mãe.

Nevou muito naquela tarde e naquela noite. Na manhã seguinte, um imenso boneco de neve, com direito a cenoura no nariz e manta no pescoço, como naqueles filmes de Natal, decorava o pátio do vizinho da frente. A água do nosso cachorro, que ficava do lado de fora, virou uma grande pedra de gelo. E a lomba na frente de casa era tão escorregadia que dava quase para esquiar.

Vi nevar outras vezes em Gramado depois disso. Mas nunca houve uma nevada como aquela de 94. Desde ontem, quando começaram a povoar minha timeline relatos e fotos da neve que deixou tudo branquinho lá na minha terra outra vez, se atravessam na minha memória flashes dessas cenas. Passem quantos 20 anos se passarem, mesmo que venham outras grandes nevadas, para mim, jamais haverá neve como aquela de 94. Ninguém esquece a primeira neve.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Fazer o que é certo se tornou inesperado

Foto: Lauro Alves

"Pois eu queria saber quando é que honestidade passou a ser um valor-notícia"

Acabo de voltar de uma aula de Introdução ao Jornalismo, disciplina que escolhi para fazer meu estágio de docência no mestrado em Comunicação. O tema da aula de hoje, conduzida pela Thaís Furtado, era critérios de noticiabilidade. Eu já toquei nesse assunto em posts passados. Os "valores-notícia" que fazem com que certos acontecimentos sejam noticiados e outros não.

Pois eu queria saber quando é que "honestidade" passou a ser um valor-notícia. A coisa está tão degringolada que, de repente, fazer o que é certo se tornou inesperado. Isso diz alguma coisa não sobre o jornalismo em particular, mas sobre a sociedade de uma maneira mais ampla.

Falo isso porque também me comovi ao ler o belo texto escrito por minha colega Jaqueline Sordi na edição de Zero Hora de hoje sobre o guri que virou "herói" na escola por ter devolvido a uma senhora de 74 anos a carteira que ela tinha perdido - com R$ 1,5 mil dentro.

Achei bonita a iniciativa da escola de fazer o garoto passar de sala em sala dando "aulas de honestidade". Concordo que bons exemplos também devem sair no jornal, tão criticado por sempre dar mais ênfase ao que é negativo. Mas é impossível não me surpreender com o quanto pode ser surpreendente hoje em dia um menino, ainda mais um menino pobre, ser honesto.

Não é exatamente uma crítica ao fato ter sido noticiado. Aliás, pelo contrário. A repercussão só veio comprovar ao menino que ser honesto vale a pena: ele foi recompensado com o respeito dos colegas da escola, a gratidão da senhora que precisava do dinheiro para comprar os remédios e pagar as contas, os minutos de "fama" e ainda doações em forma de dinheiro e de videogame.

Ele - e todos nós que nos emocionamos com a história dele - já se deu conta que ganhou muito mais do que teria faturado se tivesse embolsado os R$ 1,5 mil que encontrou. Tem gente por aí embolsando muito mais e rindo da nossa cara... e talvez esse seja um dos motivos pelo qual a honestidade se tornou um valor-notícia. Fiquemos com o bom exemplo do guri.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

E eu, o que faço com esses números?


“Aí você, que mal sabe fazer uma regra de três, vai lá para o banco de dados de um IBGE da vida
mexer em estatística.”

Esse negócio de que jornalistas odeiam números é balela. Repórteres talvez nem tanto, mas editores, esses sim, adoram uma estatística. Por conta disso, logo você se convence que um “por cento” a mais sempre ajuda a sustentar uma pauta.

Não é de hoje. Está lá nos estudos sobre critérios de noticiabilidade, desde os anos 1950: amplitude. “Quanto maior o número de pessoas envolvidas, maior a probabilidade de o acontecimento ser noticiado”, para dar uma definição padrão.

Mas vale para outras coisas. Quanto maior o número de carros roubados, quanto maior o número de pedras de crack apreendidas, quanto maior o número de boates sem plano de prevenção contra incêndio, quanto maior o número de processos engavetados, e por aí vai.

Então você passa os dias mendigando algum dado “concreto”. Quando a fonte te diz que denúncias foram recebidas, você já emenda: “quantas”? Aí tem aqueles que também te dizem que não gostam muito de falar em quantidades, não acham isso relevante, mas você insiste: “pelo menos aproximadamente?”.

Como eu dizia, os editores é que gostam de números. Sempre que surge uma pauta de comportamento, ele despeja logo em seguida: “vê se tem alguma pesquisa sobre isso”. E aí você, que mal sabe fazer uma regra de três, vai lá para o banco de dados de um IBGE da vida mexer em estatística. Ah! E agora ainda tem o dito "jornalismo em base de dados" que está bombando nas plataformas digitais.

Na época da escola, nunca aprendi a usar a tal de calculadora científica. Se me largarem uma HP não sei nem onde liga. Mal e mal monto umas fórmulas no Excel. Inclusive, eu tinha escrito com liquid paper na parte de trás da minha calculadora de 1,99 a letra dos Engenheiros do Hawaii: “e eu, o que faço com esses números?”. Estou tentando descobrir.