quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

Da irrelevância do preconceito

Não é de hoje que jornais contam histórias de vítimas de tragédias. Há quem diga que a prática é sensacionalista, e às vezes é mesmo. Eu defendo que ela serve para tirar o foco da notícia da frieza dos números. Uma morte no trânsito não é mera estatística. Alguém esperava a chegada daquela pessoa que ficou pelo caminho. São sonhos interrompidos, filhos órfãos, quartos vazios. Vidas, enfim.

Neste Natal, coube a mim contar a triste história da Manu e da Fran. Duas jovens que iam de moto para o trabalho, num restaurante no centro de Capão da Canoa, mas não chegaram ao destino porque foram surpreendidas por uma EcoSport desgovernada, guiada por um motorista embriagado (preso em flagrante e indiciado por homicídio doloso), que dirigia na contramão. Manu morreu na hora. Fran foi parar no hospital.

Conforme a apuração avançou, soube que as duas não eram apenas grandes amigas ou simples colegas de trabalho. Eram namoradas, moravam juntas há cerca de dois anos. Um casal, ponto. E assim se noticiou, com naturalidade, sem tabus. Mas aí vieram os comentários nas redes sociais dando conta da irrelevância de expor a 'opção sexual' das duas, questionando qual o problema de ser um 'casal homossexual', entre outras, digamos, acusações.

Pois bem, tanto isso não é relevante que o texto não faz qualquer menção aos termos citados: é um casal, ponto. Fosse um casal heterossexual seria também um casal, ponto. E teria também sua história contada pelo jornal, como tantas vezes já foram contados casos semelhantes pela imprensa, basta conferir nas edições anteriores.

O relacionamento da Manu e da Fran não era secreto. Era conhecido por todos: família, colegas de trabalho e a quem mais quisesse saber. O perfil público das duas no Facebook tinha o nome do casal. Manu era Manu e Fran, Fran era Fran e Manu. As duas eram uma só. Um casal, ponto.

Esses que nos acusam de 'estimular o preconceito' não se dão conta de que preconceituosa seria a atitude de ignorar tais informações e dizer que as duas eram amigas ou apenas colegas de trabalho, como se o real status da relação fosse algo 'errado', um grave desvio de conduta ou, pior, um crime. O preconceito está na consciência de cada um. A minha está tranquila.