domingo, 21 de setembro de 2014

Histórias que eu não gostaria de contar, mas tenho o dever de fazê-lo

Foto: Ricardo Duarte/ZH
Há duas semanas, recebi a missão de ir a Erechim para ver como estariam as famílias que perderam seus filhos em um acidente com um ônibus escolar há 10 anos, causando a morte de 17 adolescentes. É daquelas pautas que colocam o jornalista numa situação delicada, de tocar num assunto sensível, dolorido, correndo sério risco de cair no sensacionalismo.

Foram dias difíceis, porque não é fácil conviver com tamanha carga emocional dos depoimentos que a gente escuta nessas situações. Mas o mais difícil é engolir que, dez anos depois, ninguém pagou pela tragédia. E, pior, o crime pode até prescrever sem que ninguém seja punido.
Como o Nilson Vargas escreveu na carta do editor, este é um fato que não gostaríamos de noticiar, mas é o tipo de reportagem que nos faz ter orgulho de ser jornalistas. Alguém precisa "refrescar a memória" da população e da Justiça, porque não podemos nos conformar com a impunidade. Fico satisfeita por ter sido este alguém neste caso.

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Um estádio que “habla”

Ao dar as boas vindas aos turistas brasileiros, peruanos, mexicanos, italianos e franceses que estavam na van com destino à La Bombonera, o guia questionou:

- Vocês já viram um estádio que “habla”? Pois hoje vocês vão ver.

“La Bombonera habla” era a capa do esportivo argentino Olé naquele dia. Domingo, 31 de agosto de 2014.

O Boca Juniors, passando por péssima fase no campeonato nacional, no qual não está nem entre os 10 primeiros colocados, enfrentaria o então líder, Vélez Sarsfield, 100% de aproveitamento. O ingrediente extra era a rescisão do contrato com o treinador Carlos Bianchi, simplesmente o treinador que mais títulos conquistou à frente do Boca – foram três Libertadores, só para dar uma ideia – mas que amargava três derrotas em quatro jogos pelo campeonato argentino. Bianchi acreditava em recuperação no clássico, porém a diretoria do clube não lhe deu chance. Em resposta, a fanática torcida prometia “hablar”. No caminho para a Bombonera, faixas de apoio a Bianchi davam o tom.

O Boca tem 130 mil sócios e La Bombonera só tem capacidade para 55 mil. Tenho a impressão de que se existisse um estádio capaz de abrigar 130 mil, todos estariam lá. O mesmo não se pode dizer da Arena do Grêmio, em que há muitos sócios e poucos torcedores.

No caso do Boca, a única forma de entrar em um jogo é sendo sócio, não são vendidos ingressos avulsos. Os turistas, como eu, encontram pacotes para ir ao jogo graças a uma gambiarra com carteirinhas de sócios que não vão ao estádio por alguma razão. Prática questionável, ok, ainda mais que é preciso estar disposto a pagar algo em torno de 100 dólares para ver um jogo peleado e de dribles escassos. Somente apaixonados por futebol entenderão minha opção.

Fiquei atrás do gol, no terceiro anel da Bombonera, ligeiramente ao lado de “La 12”. Trapos estendidos, bandeiras tremulando, gente empoleirada nas grades e a banda ditando o ritmo. Ao redor do estádio, com torcida única, medida extrema para conter as brigas entre torcidas, os xeneizes acompanhavam os gritos de guerra. Até aquele torcedor meio tiozinho que, na antiga social do Olímpico, xingávamos de “secador”, subia nas cadeiras e empurrava o time, aos berros. Eram todos incansáveis, mesmo quando o Vélez, na única vez em que chegou ao ataque durante todo o primeiro tempo, aos 44 minutos, abriu o placar. E contagiaram até os turistas quando o Boca voltou a ser o Boca, empatou num gol de escanteio, virou num rebote e ainda achou um terceiro gol de contragolpe, quando já estava com um jogador a menos – teve um expulso após um carrinho na lateral do gramado, no campo de defesa, aos 38 do segundo tempo. Nada mais típico.

A Bombonera não só “hablou”, como cantou e gritou. Pulsou como nunca tinha visto um estádio pulsar. A Arena ainda é muda. Tão muda que gritos racistas falam mais alto. O Olímpico fez ouvir a sua voz em momentos importantes da história Tricolor. Talvez tenha sido apenas coincidência e não passou de um golpe de sorte presenciar um desses momentos em La Bombonera. Pois então que sorte a minha, pibe! Um dia vou poder contar aos meus netos que vi um estádio “hablar”.

*Uma versão deste texto foi publicada em Zero Hora, na seção De fora da área (4 de setembro de 2014)