sexta-feira, 25 de março de 2016

Pecado grave

"Não seria preferível dormir o sono dos justos nesta vida em vez de sonhar com recompensas eternas?"

Perdão, Senhor, pois eu pequei. Ninguém viu. Não há testemunhas, nem grampos telefônicos, muito menos planilhas de contabilidade paralela. Não seria necessário perder o sono temendo vazamentos seletivos ou delações premiadas. Só eu sei do pecado que cometi.

Confesso. Comi carne vermelha na Sexta-feira Santa. Ninguém me obrigou. Eu quis. Foi minha culpa. Minha tão grande culpa. Filha de família católica, ex-integrante de grupos de jovens, o que dirão meus pais quando souberem? Quantos unfollows tal fraqueza de caráter representará na minha rede social? Não queria decepcioná-los. Perdão, senhores!

Eu estava consciente de que ao comer iscas de coxão de dentro aceboladas (porque o filé está pela hora da crucificação) na Sexta-feira Santa eu estaria desrespeitando uma tradição que me foi preciosa por muitos anos. Mesmo assim, comi. Suponho que os gestores de Departamentos de Propina em empreiteiras tinham semelhante consciência de que estavam desrespeitando a lei (esta, aparentemente, menos preciosa). Mesmo assim...

Há semanas a pauta predominante em qualquer roda de conversa, seja na barbearia ou no cafezinho da firma, é a crise política, financeira, midiática até. Mas a mãe de todas elas é a crise moral. Esta mesma crise que faz o cristão agir nas sombras o ano todo e deixar de comer carne vermelha na Sexta-feira Santa para, supostamente, merecer o "Reino dos Céus". Não seria preferível dormir o sono dos justos nesta vida em vez de sonhar com recompensas eternas?

Não estou falando de religiosidade, nem julgando a devoção alheia. Falo de coerência. Seria incoerente de minha parte reclamar foro privilegiado no Juízo Final, sabendo que comi carne vermelha na Sexta-feira Santa. Sei que pequei. Pequei quando ninguém estava vendo, mas isso não me faz menos culpada.

Discussões sobre a ilegalidade da quebra de sigilo de partes da investigação da Lava-Jato acirraram o debate nos últimos dias. Não é que os fins justifiquem os meios. Penso que colocar o foco na divulgação disso ou daquilo, seja por parte de um partido político, instância judiciária ou canal de televisão, é mais um meio para atingir fins duvidosos. E isso não é inconsciente.

Perdoai-vos, Senhor, pois eles sabem, sim, o que fazem. Apenas fingem não fazer.