quinta-feira, 30 de julho de 2009

Era uma vez dois severinos do MPF


“E foi só depois de uns minutos de conversa com esses dois severinos que minha passagem pelo MPF começou a fazer algum sentido.”

Richard e Orlando são dois “severinos” lá do MPF. São trabalhadores do setor de manutenção, fundamentais para fazer a Casa, literalmente, funcionar. Quando as coisas não funcionam direito, eles saem correndo lá do 18º andar para resolver. Mas o que eles fazem da vida além de consertar coisas passa ao largo dos gabinetes do prédio.

Apesar do nome estrangeiro, seu Richard não anda de terno pelos corredores, nem muito menos é chamado de doutor. É apenas um técnico em manutenção predial, que estudou dois semestres da faculdade de engenharia elétrica, formou-se técnico em telefonia e está estudando eletrônica. No entanto, para seu Orlando, eletricista da procuradoria, seu Richard é mestre.

Quando um computador foi disponibilizado para o uso dos trabalhadores da manutenção, em seus horários livres, seu Orlando só observou. Ele nem sabia ligar o equipamento. Graças à boa vontade de seu Richard, hoje em dia, no auge de seus 40 e poucos anos, ele acessa a internet para ler a Zero Hora e ver a previsão do tempo. Os olhos brilham quando ele conta que já sabe até mandar torpedo para celular, pelo computador. Com aquele sorriso no rosto, seu Orlando revela que juntou o pouco dinheiro que ganha para servir os “doutores” e comprou um computador usado para mexer em casa – só que sem acesso à internet. Uma atitude singela de um colega, transformou a vida de outro. Seu Orlando, agora, já não se sente excluído quando vê a turma se achegar ao computador. Pode parecer pouco, mas na vida de quem tem quase nada, ser incluído digitalmente é uma grande coisa.

Tem um detalhe: seu Richard, o professor, é deficiente auditivo. Ele sabe bem o que é exclusão. Mas procurou compensar sua dificuldade para ouvir com uma atitude atenta e observadora. Foi assim que aprendeu tudo o que sabe sobre computadores. Já montou telecentros – fez a rede elétrica, conexões e instalou softwares – em ONGs que atendem pessoas carentes. Os estabilizadores danificados da procuradoria vão direto para as mãos do técnico – e ele os conserta. Com a mesma atenção e sensibilidade, Richard percebeu que podia ajudar o colega. Não esperou ninguém fazer o que ele mesmo podia fazer. Acabou fazendo a diferença.

E tudo isso ocorre no 18º andar de um prédio cheio de “doutores”, engravatados ou não, assessorados por bacharéis em direito que ganham R$ 16 mil por mês e ainda movimentam as caixas de e-mails dos colegas para reclamar do salário. Alheios a essa realidade, Richard e Orlando fazem malabarismo para se manter com um salário mínimo ou talvez um pouco mais que isso. E foi só depois de uns minutos de conversa com esses dois severinos que minha passagem pelo MPF começou a fazer algum sentido. A lição de cidadania que ele me ensinou numa breve entrevista, concedida quase ao acaso, não está no currículo da faculdade de direito. A propósito, depois de ver publicado seu feito na intranet da procuradoria, seu Richard despencou lá do 18º andar e foi até o térreo me cumprimentar pela matéria, para não deixar dúvidas quanto à sua nobreza.

quinta-feira, 16 de julho de 2009

R$ 1,40 é pouco para matar a fome


As moedinhas dele somavam só R$ 1,40 e a fome que ele passava certamente era umas dez vezes mais cara que isso.

Fazia frio em Porto Alegre e o tempo estava nublado. A 24 de Outubro estava movimentada, como sempre, e a tia do cachorro-quente estava com a carrocinha montada, apesar do vento cortante. Fui lá comprar meu almoço, um dogão com duas salsichas e sem mostarda. Dali, eu tinha que sair em seguida, no primeiro ônibus para o Mercado Público. Antes, porém, vi um rapazinho entrar atrás de mim na fila do cachorro-quente.

Ele estava de chinelo e moletom – repito, fazia frio em Porto Alegre, o tempo estava nublado e o vento era cortante. Devia ter uns dez anos de idade, talvez um pouco menos. Olhou o cartaz com os preços dos lanches, abriu a mão, visivelmente trêmulo, tiritando de frio. Começou a contar as moedinhas. Escutei ele somando em voz baixa. Logo percebi que não era suficiente.

- Qual o cachorro-quente mais barato, tia? -, perguntou o guri.

- R$ 4,00 – respondeu a dona da carrocinha.

Nova contagem. O dinheiro ainda era pouco para o lanche mais barato. Foi então que perguntei:

- Quanto tu tens aí?

- Eu tenho... (mais uma conferida nas moedas que tinha na mão)... R$ 1,40.

Pior é que eu também não tinha o bastante para completar o lanche dele. Depois de pagar o meu, tinha me sobrado apenas um trocado para pagar o ônibus. R$ 1,00 era meu único excesso...

- Pega mais R$ 1,00 pra ajudar no teu lanche -, disse eu, com um olho no guri e outro na tia da carrocinha.

Mais que na hora, ele contou de novo as moedas e disparou:

- Faz um pra mim por R$ 2,40, tia?

Ela disse que sim, para a alegria daquele estômago faminto sabe-se lá desde quando. Na certa, mesmo o cachorro-quente mais completo ainda seria pouco para tanta fome. Mas o manteria vivo por mais algumas horas. E enquanto escrevo este relato, meu mp3 toca Armas químicas e poemas, do Engenheiros do Hawaii. “Qual a lógica do sistema?”...

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Perdida no tempo e no espaço


“Mas não é da Relatividade de Einstein que pretendo falar. É da minha dificuldade de ver o tempo passar a seu tempo. Tenho a impressão de que o tempo está passando mais depressa do que deveria.”

Há quem diga que o tempo nada mais é do que uma dimensão, para além de altura, largura e profundidade. Ou seja, haveria como transitarmos pelo tempo, assim como nos movimentamos pelo espaço. Está aí a Super Interessante de maio, com a “ciência do impossível”, para assinar embaixo o que digo. Mas não é da Relatividade de Einstein que pretendo falar. É da minha dificuldade de ver o tempo passar a seu tempo. Tenho a impressão de que o tempo está passando mais depressa do que deveria.

Veja só, já é 1º de julho. Já estamos segundo semestre de 2009 adentro. Logo mais tem Natal de novo. E mais um ano começa. Será 2010 e vai ter Copa do Mundo outra vez. Ainda me lembro como se fosse hoje o que eu estava fazendo na final da Copa passada, só para dar um exemplo. Estava num sítio no interior de Gramado esperando o estrogonofe ficar pronto, enquanto via na TV o Zidane dar aquela cabeçada no Materazzi. Parece que foi ontem. Já faz três anos. Parece que os 365 dias de um ano agora são muito menos tempo do que outrora.

Fico perturbada com essa pressa com que os dias passam porque por mais que eu tenha muito o que recordar parece que eu não fiz nada. E tenho a impressão de que vou ver mais e mais anos se passarem sem que eu tenha tido tempo para fazer algo que mereça ser lembrado. Não me pergunte o quê, porque eu não sei ao certo. Só sei que o tempo passa tão depressa que quase não dá tempo de a gente viver.

Aí vem um dos livros que estou lendo para a pesquisa (virei bolsista de iniciação científica na Unisinos) me dizer que "um dos maiores problemas do homem atual é situar-se em seu aqui e agora" (o livro se chama A Era da Iconofagia, de Norval Baitello Junior).

Sofremos de uma patologia social chamada “perda do presente”. Estamos perdidos no tempo e no espaço. É como se a virtualidade tivesse criado uma espécie de dimensão paralela, onde o tempo acelera cada vez mais e as distâncias estão cada vez menores.

O problema de perder o presente é que fica mais difícil encontrar o futuro. E enquanto perco tempo escrevendo esse devaneio, mais algum tempo se passou...