terça-feira, 10 de setembro de 2013

Recado da Amazônia

"Espero que os brasileiros tenham saído daqui ainda mais brasileiros."

Assim falou o guia turístico naquela tarde de domingo no porto de Manaus. Dançar com índios dessanos (que significa "homens do dia"), nadar com botos e (tentar) pescar pirarucus tinha feito parte do roteiro. Uma passagem rasteira pelas belezas da Amazônia. Restou um cartão de visitas do guia, que promete mostrar a Amazônia "de verdade" a quem estivesse interessado, como eu.

Ele falava daquele território com a paixão de quem acompanhou as expedições dos Cousteau nos anos 1980. Falava com a autoridade de quem foi segundo tenente do Exército e tomou um tiro no pé em meio à guerra contra o narcotráfico, que escravizava os índios dessanos - aqueles que fomos visitar - para moer folha de coca e fazer a pasta-base da cocaína, inclusive com mão-de-obra infantil.

Soldado ferido em batalha, ele resolveu virar guia após ser forçado a sair da ativa. Quis ser guia turístico no intuito de compartilhar os conhecimentos - e o afeto - por aquela floresta.

Naquela tarde de domingo, não conheci a Amazônia "de verdade", ficou para uma próxima expedição. Serviu, ao menos, para esvaziar aquela má impressão que eu carregava da cidade de Manaus. Uma selva de prédios históricos abandonados e deteriorados. A maioria virou sede para comércio de confecções a R$ 10 e eletrônicos de procedência questionável. Suas fachadas - mal conservadas - estão obstruídas por centenas (talvez milhares) de camelôs que vendem três meias por R$ 5 e CDs "piratas" dos mais diversos estilos musicais.

Esse visual meio Ciudad del Este não teria me incomodado tanto se por trás daquelas tendinhas não estivesse um patrimônio histórico que remete à cidade tida como a Paris dos Trópicos coisa de cento e poucos anos atrás. Naquele tempo, no auge do ciclo da borracha, Manaus era uma das mais ricas cidades do país, culturalmente, inclusive. Ícone maior é o exuberante Teatro Amazonas, com sua cúpula aparentemente destoante do projeto arquitetônico neoclássico.

Eram tempos em que as damas da alta sociedade pagavam caro para mandar lavar seus vestidos na Europa, uma espera de quatro meses para desfilar seus modelitos parisienses nos camarotes do teatro. Acontece que a economia nacional mudou de vedete, as atenções se voltaram para o Sudeste e começou o declínio desta cidade que agora brilha apenas nos livros de história.

Pois desta minha rasteira passagem por lá, trago um recado: Manaus, e a região Norte como um todo, ainda guarda uma de nossas maiores riquezas. Riqueza de valor inestimável. Os "gringos" sabem melhor do que nós. São eles, aliás, que mais passeiam pela selva amazônica, como relata nosso guia. A julgar pelo hostel, faz sentido: franceses, alemães, suecos, coreanos estavam por lá. Não há lugar mais indicado no país para treinar seu inglês do que Manaus - e olha que ainda assim o povo tropeça no idioma. Imagina na Copa? Mas isso é outra conversa.

Nada contra o desfrute das praias de Cancún e Miami, devem entrar no meu roteiro qualquer dia, quem sabe. Mas todo brasileiro deveria, uma vez na vida, tirar férias naquela floresta. Ainda mais para quem é do Sul, como eu, que enche a boca para dizer que é mais gaúcho do que brasileiro, que o Rio Grande do Sul é melhor em tudo, deparar com aquela imensidão é de abalar qualquer soberba sulista. Principalmente sabendo das manobras estrangeiras para tornar aquele território "internacional"...

E olha que só tive um gostinho da Amazônia, mas voltei mesmo mais brasileira. Dado o recado.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

A neve que não esqueço

Foto: Roni Rigon/AgenciaRBS

"A lomba na frente de casa era tão escorregadia que dava quase para esquiar."


Nunca houve, para mim, uma neve como aquela de 1994. Faz quase 20 anos, mas me lembro como se fosse hoje. Se isso significa que já não sou mais tão guriazinha, representa também o quanto um fenômeno da natureza pode ser mágico. 

Era uma sexta-feira, eu estava saindo da escola. Lembro ainda dos pingos do chuvisqueiro caindo no pátio. No caminho até em casa, o chuvisqueiro virou gelo. Era neve! O xaxim do terreno da vizinha do lado ficava branquinho a cada floco que congelava na folhagem.

A mãe foi lá pegar a máquina fotográfica para registrar a cena no álbum de família. Não se tinha essas facilidades de celular com câmera naquela época, nem Facebook para compartilhar . Os registros daquele dia estão em uma estante na casa da minha mãe.

Nevou muito naquela tarde e naquela noite. Na manhã seguinte, um imenso boneco de neve, com direito a cenoura no nariz e manta no pescoço, como naqueles filmes de Natal, decorava o pátio do vizinho da frente. A água do nosso cachorro, que ficava do lado de fora, virou uma grande pedra de gelo. E a lomba na frente de casa era tão escorregadia que dava quase para esquiar.

Vi nevar outras vezes em Gramado depois disso. Mas nunca houve uma nevada como aquela de 94. Desde ontem, quando começaram a povoar minha timeline relatos e fotos da neve que deixou tudo branquinho lá na minha terra outra vez, se atravessam na minha memória flashes dessas cenas. Passem quantos 20 anos se passarem, mesmo que venham outras grandes nevadas, para mim, jamais haverá neve como aquela de 94. Ninguém esquece a primeira neve.

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

Fazer o que é certo se tornou inesperado

Foto: Lauro Alves

"Pois eu queria saber quando é que honestidade passou a ser um valor-notícia"

Acabo de voltar de uma aula de Introdução ao Jornalismo, disciplina que escolhi para fazer meu estágio de docência no mestrado em Comunicação. O tema da aula de hoje, conduzida pela Thaís Furtado, era critérios de noticiabilidade. Eu já toquei nesse assunto em posts passados. Os "valores-notícia" que fazem com que certos acontecimentos sejam noticiados e outros não.

Pois eu queria saber quando é que "honestidade" passou a ser um valor-notícia. A coisa está tão degringolada que, de repente, fazer o que é certo se tornou inesperado. Isso diz alguma coisa não sobre o jornalismo em particular, mas sobre a sociedade de uma maneira mais ampla.

Falo isso porque também me comovi ao ler o belo texto escrito por minha colega Jaqueline Sordi na edição de Zero Hora de hoje sobre o guri que virou "herói" na escola por ter devolvido a uma senhora de 74 anos a carteira que ela tinha perdido - com R$ 1,5 mil dentro.

Achei bonita a iniciativa da escola de fazer o garoto passar de sala em sala dando "aulas de honestidade". Concordo que bons exemplos também devem sair no jornal, tão criticado por sempre dar mais ênfase ao que é negativo. Mas é impossível não me surpreender com o quanto pode ser surpreendente hoje em dia um menino, ainda mais um menino pobre, ser honesto.

Não é exatamente uma crítica ao fato ter sido noticiado. Aliás, pelo contrário. A repercussão só veio comprovar ao menino que ser honesto vale a pena: ele foi recompensado com o respeito dos colegas da escola, a gratidão da senhora que precisava do dinheiro para comprar os remédios e pagar as contas, os minutos de "fama" e ainda doações em forma de dinheiro e de videogame.

Ele - e todos nós que nos emocionamos com a história dele - já se deu conta que ganhou muito mais do que teria faturado se tivesse embolsado os R$ 1,5 mil que encontrou. Tem gente por aí embolsando muito mais e rindo da nossa cara... e talvez esse seja um dos motivos pelo qual a honestidade se tornou um valor-notícia. Fiquemos com o bom exemplo do guri.

segunda-feira, 5 de agosto de 2013

E eu, o que faço com esses números?


“Aí você, que mal sabe fazer uma regra de três, vai lá para o banco de dados de um IBGE da vida
mexer em estatística.”

Esse negócio de que jornalistas odeiam números é balela. Repórteres talvez nem tanto, mas editores, esses sim, adoram uma estatística. Por conta disso, logo você se convence que um “por cento” a mais sempre ajuda a sustentar uma pauta.

Não é de hoje. Está lá nos estudos sobre critérios de noticiabilidade, desde os anos 1950: amplitude. “Quanto maior o número de pessoas envolvidas, maior a probabilidade de o acontecimento ser noticiado”, para dar uma definição padrão.

Mas vale para outras coisas. Quanto maior o número de carros roubados, quanto maior o número de pedras de crack apreendidas, quanto maior o número de boates sem plano de prevenção contra incêndio, quanto maior o número de processos engavetados, e por aí vai.

Então você passa os dias mendigando algum dado “concreto”. Quando a fonte te diz que denúncias foram recebidas, você já emenda: “quantas”? Aí tem aqueles que também te dizem que não gostam muito de falar em quantidades, não acham isso relevante, mas você insiste: “pelo menos aproximadamente?”.

Como eu dizia, os editores é que gostam de números. Sempre que surge uma pauta de comportamento, ele despeja logo em seguida: “vê se tem alguma pesquisa sobre isso”. E aí você, que mal sabe fazer uma regra de três, vai lá para o banco de dados de um IBGE da vida mexer em estatística. Ah! E agora ainda tem o dito "jornalismo em base de dados" que está bombando nas plataformas digitais.

Na época da escola, nunca aprendi a usar a tal de calculadora científica. Se me largarem uma HP não sei nem onde liga. Mal e mal monto umas fórmulas no Excel. Inclusive, eu tinha escrito com liquid paper na parte de trás da minha calculadora de 1,99 a letra dos Engenheiros do Hawaii: “e eu, o que faço com esses números?”. Estou tentando descobrir.

quinta-feira, 30 de maio de 2013

O jornalismo offline acabou

E ficaram lá, secando térmicas de água quente até lavar o chimarrão, contando causos e pensando: "se o sistema não voltar, como vai ter jornal amanhã?". 

Para repórteres da minha geração, é um exercício constante de imaginação pensar como se fazia jornalismo quando não existia internet nem celular.
Minha agenda de fontes está gravada em um arquivo "na nuvem", assim nutro a ideia de que posso acessá-lo de qualquer lugar e a qualquer tempo. Se precisar de um contato que não esteja ali, encontro com uma pesquisa no Google o telefone de uma assessoria ou coisa que o valha para chegar até quem me interessa. A assessoria, provavelmente, ainda vai me pedir para enviar um e-mail para "formalizar" meu pedido de entrevista. Sem contar as redes sociais, quase sempre um primeiro terreno de busca por "personagens" para matérias sobre determinados temas.

Pois ontem a rede caiu na Redação. E o jornal parou. Por cerca de três horas, dezenas de jornalistas desbaratinados se perguntavam como iriam trabalhar com o sistema fora do ar."Vê se é um problema só nosso ou se está sem internet na cidade inteira", provocou uma editora. "Se eu soubesse para qual número telefonar", refletiu a repórter. Alguém pegou um bloco e saiu para a rua, como que em um gesto de saudosismo - de um tempo bom em que não se fazia jornalismo sentado numa sala climatizada. Mas a maioria se convenceu de que o jeito era esperar a rede voltar. E ficaram lá, secando térmicas de água quente até lavar o chimarrão, contando causos e pensando: "se o sistema não voltar, como vai ter jornal amanhã?".

Sim, porque todo esse drama não é por não poder atualizar o site nem acessar e-mail. Até o jornal impresso do dia seguinte depende da rede. Sem acesso ao computador, não era possível diagramar as páginas, muito menos remeter para o industrial fazer a rodagem. Eu já não estava mais lá para ver, mas consigo imaginar a festa quando a conexão voltou. Sinos tocando e gritos de gol podem ter ecoado pela Redação. Certo é que muitos foram manifestar sua alegria nas redes sociais tão logo conseguiram fazer o login.

Moral da história que, embora o jornal impresso sobreviva, o jornalismo offline acabou. Da matéria-prima ao produto final, todos os processos jornalísticos estão atravessados por tecnologias digitais.

quinta-feira, 21 de março de 2013

Não é preciso ir à Amazônia

“Num território de 22 hectares, 16 famílias guarani-mbyá pintam o rosto em sinal de proteção, comem o que colhem e pescam na reserva  e conversam em tupi-guarani, a língua mais poética de que tenho notícia.”

Estas são as pequenas guaranis Yvá, Para'reté e Silvia, vestidas para a apresentação do coral. 
Registro feito por Bruno Alencastro. Mais fotos dele aqui: http://grem.io/idW

Em uma conversa de hostel, os viajantes começaram a contar experiências no Exterior. É relato comum que os estrangeiros, principalmente na Europa, olhem com estranhamento para os brasileiros do Sul, loiros e de olhos claros. Como assim, não são todas mulatas? Não sambam? Não conhecem a Amazônia?

Sim, eles acham que a Amazônia é no quintal de casa, logo ali. Pois uma das mochileiras contou que voltou de uma temporada na Espanha determinada a ir para a Amazônia. Ela foi, andou de barco no meio da mata, conheceu reservas indígenas e agora pode dizer que conhece a Amazônia nas próximas viagens. Ouvi tudo com muita curiosidade, já que está nos meus planos ir a Manaus em setembro...

Eis, então, que cai no meu colo uma pauta sobre a inauguração de uma escola indígena em Viamão, Região Metropolitana de Porto Alegre. Coisa de 40 quilômetros de viagem e você desembarca em um universo à parte. Num território de 22 hectares, 16 famílias guarani-mbyá pintam o rosto em sinal de proteção, comem o que colhem e pescam na própria reserva e conversam em tupi-guarani, a língua mais poética de que tive notícia.

Ok, eles vestem calça jeans – e até boné do Bob Marley –, mas ainda mantêm no cotidiano tradições ensinadas pelos antepassados, que já ocupavam aquelas terras por volta de 1750, antes da chegada dos açorianos.

Conhecer esses lugares, poder contar essas histórias é o que me anima do jornalismo. Mais que a repercussão de ser citada por um comentarista de TV. Resolvi ser jornalista não para ficar "conhecida", mas porque achava que poderia dar visibilidade ao que poucos percebem, ou fazem de conta que não veem. Às vezes dá certo.

Algumas horas na aldeia Tekoá Pindó Mirim e a escola Nhamandú Nhemopu’ã me fez “acordar para o divino sol” do conhecimento e perceber que não era preciso ir tão longe, lá na Amazônia. Bastava ir além de onde termina o asfalto para descobrir um outro Brasil, aquele que é estrangeiro para nós, que estamos aqui do lado. Os europeus estão cobertos de razão. Nós ainda não descobrimos o Brasil.

domingo, 10 de fevereiro de 2013

Crônicas da Passarela do Samba

Quando a Redação foi para a Avenida...

(Foto: Adriana Franciosi/AgenciaRBS)

O primeiro acorde do cavaquinho ecoou no Porto Seco pontualmente às 23h45min de sexta-feira. Com gritos de guerra em ritmo africano, a União da Vila do IAPI entrou na passarela do samba para abrir os desfiles do grupo especial do Carnaval de Porto Alegre debaixo de chuva.

A bela coreografia da comissão de frente, representando um confronto entre negros africanos e soldados portugueses, com direito a caravela, deslizou com graça sobre a passarela para defender o enredo em homenagem à ilha africana de Cabo Verde.

Mas o piso escorregadio pelo derretimento do cal fez com que a madrinha de bateria da escola Quell Rodrigues perdesse o gingado. A morena torceu o pé no meio da avenida. Caiu, levantou, sambou de novo sob os aplausos da arquibancada, mas terminou carregada pelos colegas até a dispersão.

A pista molhada ainda faria outras vítimas ao longo da madrugada, de passistas a porta-bandeira, apesar de os anjos de Nossa Senhora terem fechado acordo com o vizinho celeste São Pedro, que abençoou os Acadêmicos de Gravataí com uma trégua na chuva. Homenageando os 250 anos de sua cidade-sede, a escola colocou na avenida de anjos a gaúchos pilchados em carros alegóricos com até 15 metros de altura.

A terceira escola a desfilar levantou a torcida, como que transformando a passarela do samba em estádio de futebol. Na verdade, estádios. A Unidos de Vila Isabel apostou em jargões do hino tricolor para conquistar o público com o enredo em homenagem aos estádios do Grêmio. Aos cantos de “Sou imortal, sou tricolor” e “Nada pode ser maior”, a Vila fez se agitarem bandeiras em toda a passarela.

Tarciso Flecha Negra foi um dos destaques, comandando o carro alegórico que representou o Olímpico Monumental, com avalanche e tudo.

- Eu devo tudo a esse céu azul - resumiu o ex-jogador, que se disse emocionado por fazer parte da homenagem ao clube onde jogou por 13 anos.

Se a avalanche na avenida ocorreu sem grandes problemas, a Arena, por outro lado, deu defeito até na passarela. O carro que representaria o novo estádio gremista não conseguiu manobrar na concentração e acabou não entrando na avenida. Com isso, algumas alas mudaram de ordem, interferindo na evolução da escola.


Mais problemas ainda enfrentou a Praiana. A comissão de frente da verde-rosa entrou sem fantasia. Diversos carros entraram no desfile sem destaques e alguns passistas sambaram com adereços faltando nas fantasias. O destaque da escola, que apresentou um enredo sobre a luta contra o crack, ficou para a afinação da bateria, que apostou em instrumentos pouco comuns na harmonia, como o violino.


- Nunca tinha pensado em colocar violino no samba, até meus colegas de orquestra se surpreenderam, mas acho que ficou interessante misturar alguns acordes nas partes mais sentimentais da música - disse o integrante da Orquestra Jovem do Rio Grande do Sul, Dhouglas Umabel Mota da Silva, 14 anos, que ensaiou com a Praiana nos últimos dois meses.

Com a mesma pontualidade com que começou, terminou a primeira noite de desfiles na Capital. Terminou, também, com a mesma garoa sobre o Porto Seco. Mas nem o cansaço pela maratona de desfiles, nem a chuva que voltava a cair afetaram a empolgação dos simpatizantes da Bambas da Orgia. A última e, pelo que se viu nas arquibancadas, mais esperada escola a entrar na avenida, protagonizou um desfile empolgante. Pelo menos três vezes, a bateria calou e ressoou apenas a voz da multidão cantando: “Vou chorar ao ver desfilar meu amor maior, sou Bambas da Orgia e levo a emoção da águia no meu coração”.

A empolgação tomou conta do Porto Seco do início ao fim da segunda noite de desfiles das escolas de samba do grupo especial do Carnaval de Porto Alegre. A chuva, que prejudicou as primeiras escolas a entrarem na avenida na sexta-feira, não apareceu no sábado. O ritmo alegre do samba contagiou a arquibancada, que vibrou com cada atração, da primeira à última escola.

Quem abriu a segunda noite foi a Estado Maior da Restinga, para defender o enredo que fala de superação. Cadeirantes fizeram parte de alas e foram destaques em carros alegóricos da escola, que contou com a participação da finalista do concurso Musa do Carnaval do programa Caldeirão do Huck, Viviane Rodrigues.

O Império da Zona Norte apostou na mistura de duas paixões e levou o futebol para a passarela do samba, homenageando os presidentes do Inter, Vitório Piffero e Fernando Carvalho, que desfilaram junto com a escola. A bateria protagonizou uma parada eletrizante, que ergueu a arquibancada, repleta de bandeiras coloradas.

A Embaixadores do Ritmo aqueceu a voz com o Canto Alegretense, puxado por Ernesto Fagundes na concentração da escola. Da comissão de frente com coreografias de danças típicas gaúchas ao mestre de bateria tomando chimarrão, a Embaixadores representou a cidade de Alegrete e homenageou a família Fagundes, contando com a presença de Nico, Neto e Bagre na passarela.


A Imperatriz Dona Leopoldina transformou mitos e lendas do “Velho Chico” em carros alegóricos e fantasias de caipora, minhocão e boitatá. O ritmo envolvente do samba-enredo da escola foi entoado com energia pelo público em pelo menos três longas paradas da bateria, mostrando que a Laranja soube se deixar levar pelas águas do Opará para embalar o sambódromo.

Para acabar com a mesma empolgação, o pedido da última escola de samba a desfilar pelo grupo especial do Carnaval de Porto Alegre foi facilmente atendido pelo público: “Levanta que a escola do povo acabou de chegar”. Com enredo sobre maquiagem, a Imperadores do Samba levantou a torcida, numerosa e animada, que esperou até o fim para ver a escola passar.

(textos para a cobertura do Carnaval 2013 de Zero Hora)

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

O que vai entrar para a história



“A ingrata tarefa jornalística de listar os mortos na tragédia que abreviou a vida de 235 jovens que saíram de casa para se divertir”


Passei o sábado praguejando contra o editor que tinha adulterado o lide da minha matéria. "Vinte e cinco de janeiro vai entrar para a história", enfiou ele lá no meu texto sobre uma megaoperação (termo também censurado na minha página, mas que depois vi impresso na capa do jornal) que a polícia tinha feito para colocar ordem no semiaberto.

Foto: Adriana Franciosi/AgênciaRBS

“O dia que entrou para a história é uma expressão muito forte, a gente não sabe o dia de amanhã!", dizia eu para minha colega, enquanto tomávamos umas cuias de chimarrão antes de ir para a beira da praia aproveitar o sol que iluminava nossa folga. Era uma conjunção de duas coisas raras: sol na praia no fim de semana e duas amigas jornalistas conseguirem conciliar a brecha na escala. E parece até que eu estava adivinhando o dia seguinte.

Na manhã de domingo, meu telefone toca às 7h30min. Chamada não identificada. Em celular de repórter, o desconhecido tem nome, e se chama Redação. “Teve um incêndio grande em Santa Maria e precisava que tu viesses para a Redação dar uma mão na cobertura”, disse o coordenador de produção. “Estou em Atlântida, mas qualquer coisa me avisa que eu vejo como voltar”, respondi e voltei a dormir.

Levantei da cama por volta das dez da manhã. “O pessoal do Diário de Santa Maria está trabalhando hoje, hein? Diz que morreram 200 pessoas num incêndio numa boate”, disse o pai da minha colega. Bastava para saber que minha folga tinha terminado. Nossa folga. Olho para o final do corredor e quem está atendendo ao telefonema da Redação é minha colega. Fechou o tempo, hora de voltar.

Se tem um dia que vai entrar para a história, desta vez não restam dúvidas, é 27 de janeiro de 2013. Com os relatos de sobreviventes, a cobrança por explicações e pela punição dos responsáveis, a descrição do cenário que se formou em Santa Maria naquele domingo – cada uma mais comovente do que a outra, compiladas na edição especial de Zero Hora de segunda-feira – vem a ingrata tarefa jornalística de listar os mortos na tragédia que abreviou a vida de 235 jovens que saíram de casa para se divertir. É de tirar o sono da equipe inteira.

“Bora pra festa que a vida é curta”, postou uma jovem no Facebook. “A Kiss nunca mais será a mesma depois da festa de hoje”, escreveu outra no Twitter. Aí a gente começa a ouvir as histórias, contadas por familiares e amigos, compartilhadas pelos colegas que fazem mutirão para escapar da frieza dos números no jornal. Tem o que pediu para o pai adiar a lida na fazenda para domingo, porque queria fazer festa no sábado. Tem o outro que não ia sair de casa, mas resolveu acompanhar os amigos de fora que foram lhe visitar. Tem a funcionária da boate que voltou para dentro para alertar os que tentavam sair pela porta do banheiro. Tem a guria que ia começar o doutorado, o guri que ia entrar para o Exército, a que tinha passado no vestibular, o que ia fazer aniversário dias depois... iam.

A vida é curta e a Kiss nunca mais será a mesma. Nem mais será. Mas as curtas vidas ficarão na história. Pode colocar no lide.