“Disfarçava esticando o pescoço para fazer de conta que estava vendo se o trem despontava nos trilhos.”
Outro dia cheguei na plataforma 30 segundos depois de o trem arrancar com destino a Porto Alegre. Sem opção melhor, tirei o livro da bolsa e sentei no banco para esperar. Pelo menos nove minutos e meio me separavam do próximo.
Ali, sentada, lendo, vi que o rapaz que chegou logo depois de mim disparava olhares em minha direção. Fiquei com vontade de perguntar se havia algum problema, mas logo percebi que ele estava mirando era o livro mesmo. Disfarçava esticando o pescoço para fazer de conta que estava vendo se o trem despontava nos trilhos. Mas acho que ele percebeu que eu percebi, então ele se entregou:
- Estás lendo Cazuza?
Não por acaso, na página anterior havia uma crônica sobre uma música do Cazuza, mas apenas respondi, simpaticamente:
- Não. É uma coletânea de crônicas da Martha Medeiros mesmo.
Ele devolveu:
- Ah bom. Como eu não tinha o que fazer, li uma página contigo.
Contigo?! Veja só que intimidade se esconde numa página virada! Se meu namorado fica sabendo, pode até interpretar mal! Nisso, para me safar, o trem parou na plataforma. Entrei numa porta, o curioso noutra, e nos despedimos como dois desconhecidos que somos, apesar das páginas lidas a dois.
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