quinta-feira, 17 de junho de 2010

Prioridade


“Seria importante dar conta do meu serviço sem dor no coração porque não consigo achar tempo para escrever para uma amiga que não vejo há dias, ou para retornar a ligação daquela outra que telefonou segunda-feira e eu não pude atender”

Tudo é uma questão de prioridade. Ouço isso com certa frequência. Assim como vejo muitos “urgentes” em títulos de e-mails, post-its na minha mesa de trabalho e mensagens de texto no celular. Tudo é urgente para todo mundo, mas é apenas uma questão de prioridades. Tento me convencer disso, só que não consigo.

Comer direito é algo indiscutivelmente necessário para a qualidade de vida de qualquer ser humano, mas não chega a ser uma prioridade para um jornalista. Sentar diante de uma mesa farta, com todos os nutrientes necessários, não é algo que um profissional sob a pressão constante do relógio consiga ter ao alcance todos os dias. Já que comer direito não é prioridade, a gente come porcaria mesmo: um sanduíche, uma barra de cereal ou mesmo cafezinho. Sim, porque dormir bem é outra coisa necessária e igualmente menos prioritária na rotina de um jornalista. Só um café para salvar o dia (e a noite!) de trabalho.

Leio resenhas de livros e filmes todos os dias. Morro de curiosidade para ver, deliro de vontade de ler. Seria muito útil que eu o fizesse. Praticar uma atividade física regularmente, então! Útil demais, talvez necessário até. Só que nada disso é prioridade.

Tomar uma cervejinha com os colegas depois da aula parece bem interessante, assim como ir a um megashow musical que está acontecendo na cidade. O problema são as prioridades... é preciso acordar são no dia seguinte, para não falar bobagem na reunião de pauta.

Se eu seguisse por essa lógica, a prioridade seria sempre o trabalho. Acontece que é necessário receber um salário (já que para tudo se precisa de dinheiro nessa vida) e o trabalho até pode ser interessante, por que não? Mas será que é o mais importante mesmo?

O verdadeiramente importante para mim seria poder fazer um churrasco com os amigos sem peso na consciência por não estar fazendo o projeto do meu trabalho de conclusão (que está atrasado). Seria importante também dar conta do meu serviço sem dor no coração porque não consigo achar tempo para escrever um e-mail para uma amiga que não vejo há dias, ou ainda para retornar a ligação daquela outra que telefonou segunda-feira e eu não pude atender (na certa, porque estava fazendo algo bem importante).

Resta comprovado que não é uma questão de prioridade, mas de obrigação. Não tenho liberdade sobre o que priorizo, sou escrava de responsabilidades que assumo – nem sempre de bom grado. Não tenho livre arbítrio para resolver que, de vez em quando, pode ser mais importante falar de amenidades com alguém interessante ao invés de ler páginas e páginas escritas num dialeto que parece ter sido criado para confundir as pessoas. Taí um direito a ser defendido: o de poder priorizar.

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Lost: experiência transmidial em torno de uma narrativa antropológica

Michael Emerson, o ator que interpretava Benjamin Linus em Lost, já havia anunciado antes do episódio final que a série terminaria deixando no ar questionamentos suficientes para os fãs ficarem ainda um bom tempo teorizando. Ele estava certo. Tão certo que, mais uma vez, Porto Alegre sediou um encontro de “lostmaníacos”, no dia 30 de maio.

Lá estavam Daniel Bittencourt, coordenador do curso de Comunicação Digital da Unisinos, o filósofo Gelson Weschenfelder, e o diretor de criação da agência Escala, Eduardo Axelrud. Cada um teve 15 minutos para falar sobre o fim de Lost. Das falas, destaco alguns aspectos que mais se sobressaem numa das séries de maior destaque na produção audiovisual recente:

Lost é uma experiência
Para Daniel Bittencourt, Lost não é uma série de televisão, é uma experiência. Poucos dos que acompanhavam a série o faziam como quem assiste Friends ou novela das oito. A cada episódio que terminava, começava toda uma movimentação em blogs, comunidades no Orkut, podcasts e até mesmo rodas de conversa entre amigos para compartilhar suas teorias. No Brasil, a movimentação era primeiro para obter o episódio recém transmitido nos Estados Unidos via internet (ilegalmente, óbvio). Dessa forma, Lost se apresenta como uma experiência transmidiática, na qual o público não é mero espectador, mas assume certo protagonismo no processo. Segundo Bittencourt, a indústria do entrenimento não poderá mais ser a mesma depois da experiência Lost.

Lost é uma narrativa antropológica
O filósofo Gelson Weschenfelder classificou Lost como uma narrativa antropológica: uma história sobre o homem e seus conflitos, a vida em sociedade, a eterna busca humana por um sentido para a vida. Disse também que a série opôs o tempo todo fé e razão. Os próprios nomes de filósofos usados em personagens (Locke, Hume, Rousseau, ...) são, na maioria, pensadores que estimularam o diálogo entre física e metafísica, espiritual e racional. O fim de Lost insinua uma provável “vitória” do espiritual, ou sobrenatural, sobre o racional, ao menos na Ilha.

Lost é um vício
O publicitário Eduardo Axelrud falou como fã. Para ele, como para outras dezenas de pessoas que estavam no auditório, Lost é um vício. Inteligentemente, ele enumerou coisas que fez com Lost e que nunca tinha feito antes, do tipo: correr para a internet para baixar um episódio antes que passe na televisão; depois correr para a internet de novo para ver o que estavam falando do episódio; ouvir podcasts sobre a série; comprar livros relacionados; baixar episódios para o celular; elaborar teses sobre um seriado; e ainda participar de um evento para discutir um programa de televisão.

Lost é uma viagem
Viagem no tempo, jornada antropológica, peregrinação espiritual. Lost é uma viagem intelectual, de qualquer forma. Às vezes, pode ser sarcástica. No evento aqui relatado, a mediadora estava um pouco nervosa, digamos. Provavelmente era a primeira vez que fazia algo semelhante, gaguejava a todo instante e não tinha lá uma comunicação oral tão fluente como desejável.

Mas ok, isso tudo seria perdoável não fosse o anúncio de que haveria um evento sobre a “primeira morte” de Michael Jackson. Claro que os “lostcidas” não perdoaram, até porque se o astro do pop estivesse na Ilha, bem possível que morresse mais de uma vez na vida. Logo depois, ela avisa a um dos painelistas que ele já está falando há dez minutos. Passam-se uns dois minutinhos e ela volta: “desculpe, houve um erro, você ainda tem sete minutos!” (lembrando que o tempo limite era de 15min). Taí mais uma coisa que não poderia ser dita num evento sobre Lost. Até pensei se não tinha ido parar naquela Ilha maldita, com direito a saltos no tempo e tudo mais. Namastê!