terça-feira, 28 de abril de 2009

Quando a leitura dos outros nos interessa (2)


E eu preocupada por ter dado uma espiada no blackberry alheio com toda a discrição...

Segunda-feira, eu tinha uma aterrorizante prova de Semiótica à minha espera na Unisinos. Como dispunha de meia hora – mesmo que a bordo de um trem lotado – aproveitei para dar uma última revisada nas minhas desastrosas anotações.

Apoiei o caderno na cintura e fiquei segurando a barra com a mão que sobrava. Deixava para virar a página quando o trem parava na estação seguinte. Assim que vagou um espaço na parede, escorei-me ali. Até então, ninguém havia reparado no caderno adesivado de uma estudante em dia de prova. Só até então.

Não demorou para o cara engravatado escorado ao meu lado apontar o dedo para meus resumos e dar risada.

- É tanta imagem que não contemplamos. Hahaha! É mesmo! Hahaha!

Olhei para ele com aquele sorriso amarelo no rosto, fiz que “sim” com a cabeça e voltei a olhar para o meu caderno. Minutos depois o cara me pergunta em que semestre estou... tentando cortar o assunto sem precisar ser desagradável, limitei-me a responder:

- Quinto.

Ele revidou:

- Calculei.

Como assim, calculou?! Não sei que lógica ele usou para essa matemática, mas continuei virando minhas páginas. E ele continuou espiando a minha leitura. Parecia se divertir com minhas anotações difusas (estaria ele entendendo alguma coisa?). Não bastasse, o cara ainda ousou me corrigir:

- Não é a principal, é uma das principais...

Sabe aquela virada de olhos que a gente dá quando quer mandar a pessoa a PQP, mas se segura? Pois é, foi assim. Fiz de conta que não era comigo, forcei aquela cara de paisagem e continuei lendo.

Não sei se ele ainda tinha esperança de que eu fechasse meu caderno e começasse a prosear ou se ele tinha problema mesmo, mas o cara ainda arriscou uma última pergunta:

- Tem prova hoje?

- Não! Só estou fingindo estudar para ver se tu para de tentar falar comigo.

Calma! Não foi essa minha resposta, embora ele até estivesse merecendo, pela falta de simancol. Fiz que “sim” com a cabeça, de novo, e voltei a ler, outra vez.

Finalmente, vagou um lugar no assento. Enfim eu leria em paz! Se bem que o cara continuou parado ali por perto e não perdeu a oportunidade de me desejar “boa prova” ao me ver fechar o caderno e olhar para o horizonte.
Moral da história. Acho que ele só estava tentando ser simpático. Eu é que estou na TPM.

quinta-feira, 23 de abril de 2009

Quando a leitura dos outros nos interessa


“Dei uma espiadinha no blackberry alheio e recebi o castigo antes mesmo que tivesse tempo de me arrepender e pedir perdão ao Senhor por cobiçar o e-mail do próximo.”

Fazia tempo que eu queria escrever sobre as pessoas que leem no trem. Eu mesma sou uma delas, mas só consigo fazê-lo quando garanto meu espaço no assento. Aí sim, leio livros, revistas, polígrafos da faculdade (principalmente). Jornais, não. As folhas grandes e soltas são pouco práticas para o aperto do vagão.

Tem gente que consegue. Mas também tem gente que consegue ler até dependurado no trem. Eu não. Segurar a barra com uma mão, o livro com a outra e ainda virar a página, com o trem em movimento é demais para uma pessoa da minha estatura. Mas tem gente que lê. Inclusive, eu me divirto observando a diversidade de leituras que o trem proporciona. Entre os jornais, Diário Gaúcho é o mais lido, disparado. Livros aparecem de todo tipo, das apostilas de concursos públicos às Sagradas Escrituras.

Dia desses, sentei-me entre dois intelectuais. A moça à minha esquerda lia 1808, livro que está na minha lista. O cara à minha direita segurava o jornal Valor Econômico no colo enquanto verificava os e-mails no blackberry. Sim, dei uma espiadinha – de leve – no blackberry alheio. Recebi o castigo antes mesmo que tivesse tempo de me arrepender e pedir perdão ao Senhor por cobiçar o e-mail do próximo.

Quando tirei o bloquinho e a caneta da bolsa para começar a rabiscar este post, o cara do blackberry foi logo espiar que diabos eu ia anotar. Fiquei tímida de escrever sobre o crime que acabara de cometer sob o olhar desconfiado da própria vítima. Acabei colocando o bloco de volta na bolsa até ele sair dali e me deixar escrever em paz. A cada movimento que eu esboçava, ele tirava o olho do Valor e ficava me cuidando. De certo para ver se me atreveria a pegar de novo a caneta na mão.

Enquanto isso, a moça do 1808 fechou o livro e saiu, sem sequer ter me notado.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Difícil?!


“Ou vai ver que sou eu que ainda acredito no ‘heroísmo’ de repórteres como Caco Barcellos, para os quais a palavra dificuldade parece não existir.”

Depois de três meses de Big Brother, a TV Globo retomou sua programação normal esta semana e, com isso, o Profissão Repórter voltou à grade fixa da emissora nas noites de terça-feira. O programa voltou dando mais espaço para os bastidores da notícia do que antes. Lá pelas tantas, aparece Caco Barcellos diante do monitor, ao lado de dois “jovens jornalistas”, como ele gosta de chamar seus pupilos, e diz:

- Eu não entendia direito o que era a bulimia e depois desta matéria... acho que continuo não entendendo.

O jornalista – que assume quase que uma posição de mestre no programa – comenta que gostaria de ver mais claramente o retrato da doença, pois ele estava achando a matéria muito narrativa: o drama estava apenas no discurso. Aí que a “jovem jornalista” diz:

- Mas isso é muito difícil de conseguir.

Difícil?! Como essa moça ousa falar em dificuldade para um repórter do cacife de Caco Barcellos, autor de dois livros sobre a violência nos subúrbios brasileiros, repórter de guerra, um homem que efetivamente colocou a própria vida em risco em honra aos “desafios da reportagem”, só para usar o slogan do programa que ora ele coordena.

Fico imaginando o que passou pela cabeça de Caco Barcellos ao ouvir sua pupila dizer que retratar o drama de quem sofre de bulimia é muito difícil. “Fixinha!”, ele deve ter ficado com vontade de dizer. O argumento da jovem foi, no mínimo, infeliz. Para fazer uma boa reportagem não basta uma câmera na mão e uma entrevista gravada. Mas ainda bem que ela tem Caco Barcellos como editor. E ele ensina:

- Na maioria das vezes é muito difícil conseguir. Fazer entrevista é muito fácil, conseguir uma reportagem é quase sempre muito difícil.

A “jovem repórter”, ao invés de se calar, pegar o telefone e remarcar a entrevista, insistiu que esse tema era muito delicado de se tratar. Não quero dizer que ela deveria se curvar à vontade do Caco Barcellos, simplesmente por ser o Caco. O que quero dizer é que a gente só argumenta com o editor quando tem argumento – e ela não tinha. Ficou parecendo mera prepotência.
Ou vai ver que sou eu que ainda acredito no “heroísmo” de repórteres como Caco Barcellos, para os quais a palavra dificuldade parece não existir. Mesmo que seja isso, prefiro os jornalistas destemidos e incansáveis a repórteres preguiçosos, que apenas fazem entrevistas e voltam para a redação achando que estão com a matéria pronta, como quem não faz mais do que sua obrigação.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

No meio da avalanche


“Qualquer lapso de atenção da defesa adversária pode ser fatal, principalmente se o torcedor estiver igualmente desatento.”

Não contem pra minha mãe, mas ontem à noite assisti o jogo do Grêmio no meio da Geral. Depois de anos associada ao clube, esta foi a primeira vez que me vi no meio da avalanche. E também a última.

Cheguei atrasada no Olímpico, como quase metade dos torcedores que foram ao estádio. Jogo às 19h em dia de semana é de parar o trânsito em Porto Alegre, então só podia dar nisso. Atrasada, fui informada pelo amigo que me daria carona para voltar de que ele havia entrado pelo portão 10 e que ali eu deveria encontrá-lo quando chegasse. Ok, tão preocupada por já ter perdido 20 minutos de bola rolando, fui cegamente em direção ao portão 10. Quando olhei para o campo, logo ali em frente estava o goleiro Vitor. Olhei para os lados, vi as faixas azul-preto-branco estendidas pela arquibancada, o batuque embalando o canto da torcida, sinalizadores esfumaçando o ambiente. Eu estava no meio da Geral!

A alternativa que eu tinha era andar no meio daquela “banda louca” em direção ao local onde estava meu amigo. Mas aí eu pensava: “se sai o gol numa hora dessas eu vou parar no fosso!”. Sim, porque qualquer lapso de atenção da defesa adversária pode ser fatal, principalmente se o torcedor estiver igualmente desatento.

Não demorou muito para eu levar o primeiro empurrão. Aos 32, Rafael Marques fez 1 a 0 e aquele senhor de idade mais ou menos avançada que estava atrás de mim tratou de me empurrar escada abaixo, junto com a avalanche. O primeiro empurrão no meio da Geral a gente não esquece e, para mim, já era o suficiente. Torci com todas as minhas forças para que o jogo terminasse em apenas 1 a 0.

Maxi Lopez, o goleador?
O futebol que o Grêmio apresentava não merecia muito mais do que isso mesmo. Exceto pelo empenho de Maxi Lopez. O argentino parecia querer mostrar a que veio. Pena que ele estava “sobrando” na equipe. Era o único que estava afim de jogo. Pedindo a bola, Maxi chegava a colocar as mãos na cintura, balançando a cabeça em sinal negativo. Principalmente quando Souza, em péssima atuação, pegava a bola e achava que podia driblar todo mundo. Maxi precisou de outro argentino, Herrera, para receber a bola na área e fazer um belo gol de cabeça. Quando Rever fechou o placar, eu já estava no último degrau, e saí correndo a diante antes que começassem a me empurrar.

O Grêmio, sem técnico – embora já estivesse nessa situação há mais de ano -, foi fraco. Era um time desanimado. Estavam cansados por terem jogado o Gre-Nal 48 horas antes? Poupe-me do argumento de que eles precisam ser poupados. Eles são pagos pra jogar futebol, eles só fazem isso, esse é o trabalho deles. Pois que se preparem fisicamente para jogar todos os dias, se for necessário. Nisso também simpatizei com Maxi Lopez. Na entrevista coletiva após o jogo, ao ser questionado sobre a importância do gol marcado, o argentino, num espanhol tão claro que até me causa dúvidas de que ele seja mesmo argentino, disse: “hacer goles es mi trabajo”. Então que ele faça a avalanche descer muitas vezes nesta temporada.

Renato Gaúcho, o treinador?
A diretoria não assume, mas deixa no ar: não quer o Renato Portaluppi como substituto de Celso Roth. Ao serem questionados pela imprensa, os membros da diretoria vêm com um discurso de que o torcedor precisa entender que eles vão fazer o que for melhor para o Grêmio. Traduzindo: "a torcida precisa entender que não traremos o Renato Gaúcho".

O que a diretoria precisa entender é que a torcida não está satisfeita com os rumos que a atual administração está dando para o clube e que não existe momento mais favorável para a vinda do Portaluppi para o Tricolor: ele, ao contrário de Roth, tem a simpatia da torcida; ele, ao contrário de Roth, é gremista; ele, ao contrário de Roth, sonha em treinar o Grêmio e disse que jamais treinaria o Inter; ele, assim como Roth, está disponível no mercado, se for contratado, desembarca no mesmo dia no Olímpico.
Renato Gaúcho pode ainda não estar entre os melhores técnicos do País, mas Roth estava? Sabe-se que ainda lhe falta experiência, conhecimento tático e freio na língua, mas Roth tinha? Fala-se em Paulo Autuori, uma excelente opção. Mas a torcida quer o Renato e o Renato quer o Grêmio.

quarta-feira, 1 de abril de 2009

1° de abril, dia dos jornalistas, digo, dos bobos!


“Se não precisa mais de diploma para ser jornalista, exijo que a Unisinos devolva meu dinheiro. Os alunos deveriam ser indenizados por deixar de comprar um carro ou viajar para o exterior para pagar uma faculdade inútil.”

Desde 2001, quando uma juíza chamada Carla Rister concedeu liminar suspendendo a obrigatoriedade do diploma para exercício do jornalismo, chovem protestos e argumentações. Pois 1° de abril de 2009 foi a data escolhida para colocar fim na discussão: o Supremo Tribunal Federal, em última instância, vai determinar o futuro da profissão. Uma piada muito sem graça.

Eu acho essa história de banir o diploma de jornalista de tal ignorância que eu não gostaria nem de comentar. Mas, como lá se foram alguns milhares de reais da minha conta para a Unisinos nos últimos cinco anos, sinto-me, no mínimo, instigada a me revoltar com tamanho absurdo.

Primeiro: esqueçamos qualquer argumento de ordem “objetiva” para defender o jornalista diplomado. A objetividade é algo absolutamente intangível para qualquer ser humano – inclusive jornalistas, por mais presunçosos que possam ser. Logo, ninguém é “dono da verdade”, muito menos o dono da TV Globo ou da Folha de São Paulo, empresas essas que são sabidamente favoráveis à não exigência do diploma para exercer a profissão.

Segundo: o fato de o jornalista ser humano, simplesmente humano, nada mais que humano e, portanto, escapar-lhe a condição de ser puramente objetivo ao noticiar qualquer fato que seja não serve como argumento para dizer que qualquer um pode trabalhar como jornalista. Um cidadão não precisa de diploma para relatar um fato, o que não significa que ele esteja apto a reportar esse fato.

Terceiro: se não precisa mais de diploma para ser jornalista, exijo que a Unisinos devolva meu dinheiro. É sério! Os alunos deveriam ser indenizados por deixar de comprar um carro para pagar uma faculdade inútil, afinal, apesar do diploma na parede - conquistado à custa de muita leitura, noites mal dormidas e estágios que pagam uma miséria para lhes ensinar a fazer cafezinho -, esses profissionais de comunicação vão concorrer com gente que participou de reality show, formou-se em biblioteconomia ou sequer terminou o ensino médio.

É, simplesmente, um absurdo. Alguém me explica de onde tiraram que é indiferente ser ou não formado em jornalismo? Olha que eu sempre fui uma aluna de redação excelente no colégio, trabalho na área de comunicação há mais de cinco anos, mas não arredo o pé da universidade enquanto não receber meu diploma para, só então, dizer-me JORNALISTA. Em 2006, o STF garantiu o exercício da atividade jornalística aos que já atuavam na profissão, independentemente de registro no Ministério do Trabalho ou de diploma de curso superior na área. Ora, eu poderia exigir minha parte também, mas acho a formação acadêmica necessária, sim.

Acontece que reportar é muito mais do que escrever ou falar bem. Ok que os “padrões” da notícia podem ser aprendidos na prática – aprende-se até melhor – mas isso também é detalhe. Jornalistas entendem menos de alimentos saudáveis do que nutricionistas? Claro! Mas é por isso que jornalistas consultam nutricionistas para chegar a alguma informação plausível sobre alimentação saudável ao invés de relatar como é sua dieta pessoal. Do mesmo jeito que nutricionistas não devem sair por aí assinando matérias em jornais. Há espaços mais apropriados para isso, que, de fato não prescindem de diploma em comunicação. Que os “não jornalistas” publiquem artigos, criem blogs, escrevam comentários para a imprensa, mas deixem os habilitados trabalharem em paz!

Esse negócio de banir o diploma de jornalista só vai banalizar a imprensa. Alguns vão dizer que ela já está banalizada. Não tiro a razão. Pois então que não terminemos de banalizar! Tecnicamente, não é preciso muito mais do que bom texto ou boa oratória para se dar bem como jornalista. No entanto, teoricamente, é necessário estudar para isso. É preciso refletir sobre sua responsabilidade do repórter na sociedade, a influência da imprensa na organização social. As consequências de lançar ao mercado excelentes oradores sem essa consciência ontológica da profissão que exercem tendem a ser desastrosas, como mostra a própria história da comunicação.

A profissão de jornalista devia era ser regulamentada, de verdade, com um piso salarial decente, compatível com o que se investe na formação superior. Jornalistas diplomados têm salário inicial em torno de R$ 1.000,00. Lá de onde eu venho, garis ganham pouco menos que isso. Vai ver que eles agora vão preferir ser jornalistas, já que não vão precisar ter diploma para isso.

Abolir o diploma será um retrocesso. No meu caso e de muitos colegas, será mais do que isso, será uma enorme quantia de dinheiro jogado fora. E eu indo de trem para a faculdade, enquanto podia ter comprado um carro para ir ao jogo do Brasil.