quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Os super-heróis da Redação


Clark Kent, quem diria, não resistiu às transformações do jornalismo. É que ser jornalista nos dias de hoje é tarefa mesmo para super-heróis – e olhe lá.

A notícia criptônica da demissão do Super-Homem diz que o motivo do pedido é a transferência do controle do Planeta Diário a um conglomerado de mídia mais preocupado com entretenimento do que com notícias. O destino do "único veterano grisalho interessado em reportagens" será migrar para a internet.

Nada mais verossímil. Tenho dividido minha jornada diária entre o trabalho como repórter e a pesquisa em jornalismo. Em ambos, interessada nos dilemas enfrentados por Clark Kent e todos os colegas da categoria. Verdadeiros super-heróis.

É preciso descobrir histórias inéditas, acompanhar os assuntos do dia nas redes sociais, abastecer o noticiário em “tempo real”, produzir material multimídia, seja em áudio, vídeo, áudio e vídeo, newsgames, banco de dados interativos, quiz ou enquetes. E ainda escrever um bom texto para a edição do dia seguinte, com apuração aprofundada e abordagem diferenciada.

Não está fácil fazer jornalismo hoje em dia. Muito menos fazer jornais. Na terra de Clark Kent, títulos de renome já deixaram de ser impressos. No mundo todo, pesa sobre os jornalistas a necessidade de se adaptar aos novos tempos e incorporar novas rotinas de produção de conteúdos para múltiplas plataformas, o que obriga, de fato, veteranos grisalhos a migrarem para a internet.

Quis seguir a carreira de Clark Kent porque, assim como ele, acredito que o jornalismo deva se ocupar de notícias – e isso independe da plataforma. Apesar da morte anunciada do jornal impresso, tenho fé de que o jornalismo possa ter vida longa se ainda houver super-heróis a postos na Redação. 

É por isso que, enquanto o homem de aço do Planeta Diário pede para sair, sigo tentando reunir forças para descobrir minha vocação para Mulher Maravilha.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Para além da frieza dos números

“A dor de quem leu o nome do amigo no jornal não cabe na contabilidade.” 

O Grêmio tinha acabado de ceder um empate aos 45 minutos do segundo tempo, enterrando o sonho de título no campeonato Brasileiro, quando publiquei a macabra matéria que se repete a cada fim de feriado contabilizando os mortos do fim de semana e chamei um colega para jantar.

Entre lamentações tricolores e comentários sobre o cardápio, houve tempo para falar da forma sombria como acabamos lidando com a morte numa Redação de jornal.

Falamos em “balanço” de mortes como se não se tratasse de vidas interrompidas. E que palavra difícil de engolir esta: acidente. O nome disso sugere que poderia ter sido evitado. Um acidente é um descuido, um imprevisto, uma estupidez. A morte é uma estupidez. O modo como cobrimos a morte é uma estupidez.

Mas depois do balanço começam a se revelar histórias de personagens por trás daqueles números. Além das vítimas, pais, mães, noivas, maridos, filhos, amigos. Aí deparo com a declaração de uma menina de 17 anos: “Nunca imaginei que iria perder um amigo assim”. Um amigo perdido não é apenas um número na estatística.

A dor de quem leu o nome do amigo no jornal não cabe na contabilidade. Só de pensar, um dia, ouvir o policial do outro lado da linha dizer o nome de algum dos meus, arrepia até meu último fio de cabelo. 

Ninguém está livre, disse meu colega na janta. De fato, não estamos. Afinal, somos jornalistas, porém humanos. Sentimos, sofremos, vivemos – e morreremos como todos. É bom que tenhamos isso em mente, para não perdermos a capacidade (humana) de contar histórias (humanas) para além da frieza dos números.

Somos jornalistas para contar histórias, não para fazer contas.