segunda-feira, 30 de março de 2009

Defeito de fábrica


“Máquinas fotográficas já vêm com defeito de fábrica, mas as lentes de nossa alma não sofrem com o mesmo erro de fabricação”

Tenho uma maquininha fotográfica que me acompanha há um tempo, entre passeios e reportagens, registrando alguns olhares.

Só que agora ela está com defeito. Tem um ponto vermelho que insiste em aparecer nas minhas fotos. Até poderia procurar ajuda profissional, mas temo não poder fazer nada para que aquela velha lente recobre a nitidez. Já cogito a possibilidade de ver o mundo com outros olhos.

Sim, porque fotos são olhares. Ao fotografar, congelamos olhares. De um ângulo só. Somente até onde as lentes alcançam. Máquinas fotográficas já vêm com defeito de fábrica. Por mais recursos que elas ofereçam, serão sempre pouco para congelar o mundo.

As lentes de nossa alma não sofrem do mesmo erro de fabricação. Contudo, às vezes parece que um sinal vermelho insiste em se colocar diante de nossos olhares. Tudo ao redor parece convergir justo para aquele sinal. Então esquecemos que há muito mais pontos de vista ao redor.

Eu gosto de fotografar, porque, apesar de a câmera congelar apenas um ângulo, quando estou com a máquina na mão, procuro sempre um novo jeito de olhar para a mesma coisa, ou então o melhor ponto de vista para o que acabo de descobrir.

Fotografar me lembra que a vida tem muito mais do que dois lados, que mesmo quando aparecem sinais vermelhos em frente, há outros caminhos para seguir a diante. Que um passeio no parque basta para tornar um dia especial. Que não é necessário estar perto para saber que se ama, nem estar longe para sentir saudade. Que não preciso das melhores câmeras e de todas as noções de fotografia para dar significado às imagens que aquela minha maquininha com defeito congela por aí.

P.S. – A foto do post é o legítimo clichê portoalegrense (será que é assim na nova ortografia?!), mas eis que nem o pôr-do-sol do Guaíba escapou do sinal vermelho...

quinta-feira, 26 de março de 2009

A bicicleta vermelha na literatura acadêmica


“Não há nenhum deles que não viva a poucos metros de uma esquina, onde há, talvez, uma bicicleta vermelha ou de qualquer outra cor permanentemente estacionada.”

A citação acima foi retirada do livro “O prazer de ler jornal – da Acta Diurna ao blog”, do jornalista Walter Galvani, figura que já mencionei no meu blog em um post sobre o mesmo assunto: a bicicleta vermelha.

Se há alguém que não tenha acompanhado o episódio, o link acima remete ao texto que desencadeou tamanha repercussão que foi parar até na literatura acadêmica, ou seja, virou objeto de estudo.

Era só uma bicicleta vermelha parada numa esquina, mas acabou entrando para a história de muita gente. Minha, em primeiro lugar, como um de meus primeiros rabiscos depois da mudança para a capital. Da própria Zero Hora, num segundo momento, pois o Blog do ZH Moinhos foi o primeiro blog de bairro do site, abastecido por um conselho de leitores. Finalmente, a bicicleta vermelha acaba ficando para a posteridade na literatura acadêmica, podendo ser fonte de pesquisa para estudiosos da comunicação.

É o que tenho pra hoje. Vou ver se a bicicleta vermelha continua parada lá na esquina!

quinta-feira, 19 de março de 2009

Quando o longe é perto


“Na juventude, nossos sentimentos são muito mais profundos do que duradouros.”

A frase citada em um texto que escrevi em 2005, dita por um colega dos primeiros semestres de faculdade, nunca saiu da minha cabeça, e agora faz ainda mais sentido. A juventude é uma etapa de muitas escolhas, muitas mudanças. Conhecemos muita gente ao mesmo tempo, em lugares diferentes, em situações diferentes – nenhuma menos profunda do que outra, mas todas igualmente passageiras.

Conforme o tempo avança e nossos caminhos vão se definindo, o medo de que profundo mesmo seja o abismo do esquecimento faz com que lutemos para que o passageiro dure um pouco mais. Dizer que aprendemos a dar valor às coisas quando as perdemos é lugar comum, mas o paradoxo faz algum sentido: a distância, ao mesmo tempo em que separa, aproxima as pessoas.

Faz alguns meses que troquei minha cidadezinha natal pela capital gaúcha. Digo capital porque, por mais que minha residência esteja fixada numa outra cidade da região metropolitana, é em Porto Alegre que passo a maior parte do dia. É aqui que trabalho, vou à livraria, ao banco, ao parque, etc. Em São Leopoldo, onde moro, conheço apenas a Unisinos - onde estudo, e a estação do trem - que me traz a Porto Alegre. Só.

Mas isso não vem ao caso. Há nove meses saí de Gramado, onde vivi 20 e poucos anos, tempo suficiente para firmar alguns dos vínculos mais profundos.

Sempre que volto para casa, minha família está lá esperando por mim, mesmo que passe da meia-noite. Minha mãe se preocupa em fazer a comida que gosto, meu pai em me levar e trazer de onde for preciso, minhas irmãs em garantir a parceria no chimarrão, e assim por diante. De fato, sinto falta de tudo isso: o almoço gostoso da mãe todos os dias, poder ligar para meu pai me buscar quando chove, chegar do trabalho e tomar chimarrão com minha irmã (às vezes, com as duas!) no final da tarde.

Só que família é família. Eles eu tenho certeza que nunca me deixarão sozinha. O que me comove mesmo são os amigos, porque amigo, como diz aquele versinho de antigamente, não é a vida que nos impõe, somos nós que escolhemos. Se antes, a meia dúzia de quarteirões de distância dos meus amigos, demorávamos meses para nos visitar, agora, cada fim de semana é uma romaria! E isso é muito bom.

Chego em casa sempre entusiasmada, às vezes volto pra cá até meio cansada, mas sempre revigorada. É claro que essa “aproximação” forçada pela distância não é melhor do que estar perto, mas é uma forma de fazer com que os sentimentos profundos sejam também duradouros, pelo menos por mais um tempo.

segunda-feira, 16 de março de 2009

A boa vontade das pessoas

“Todos queriam ajudar, mas alguns atrapalharam. Até parece que sabemos mais do que os outros sobre seus caminhos.”

Sábado passado fui visitar uma tia em Novo Hamburgo. Fazia anos que eu não aparecia por lá. Já nem lembrava mais o caminho. A única lembrança que eu tinha era da imponente mangueira que cobria o jardim da casa da minha tia, mas isso não me ajudaria muito a chegar lá.

Tive a feliz ideia de ver o mapa no Google e bater com o itinerário do ônibus. Bendita internet! Com uma ajudinha do cobrador, seria facinho encontrar as mangas caídas no jardim. Ou não.

Com o mapa impresso, mostrei para a cobradora o caminho que meu namorado e eu precisaríamos fazer até a casa da minha tia. Perguntei se havia alguma parada em algum dos pontos circulados no mapa, mas ela não conhecia as ruas. Prontificou-se a olhar as placas de esquina e avisar quando passasse por alguma delas.

Foi quando um passageiro do ônibus pegou o bonde andando e quis entrar na conversa. Perguntou para onde estávamos indo. Pegou o mapa, virou de um lado, virou de outro. Falou da rua aqui, da outra ali, tentou explicar alguma coisa que não entendemos e ficou por isso mesmo. Acabamos parando onde a cobradora sinalizou.

Na rua, nossa primeira vítima foi um padeiro, que estava entregando pão em uma lancheria. Perguntamos pelo nome da rua, ele disse onde era. O dono da lancheria logo se meteu na conversa dizendo que era muito longe, que não dava para seguirmos a pé. Um senhor que estava em uma das mesas do bar, já se intrometeu perguntando para onde estávamos indo. Foi ele quem nos deu a instrução mais correta.

Uma entrada à esquerda e já estávamos na rua da casa da minha tia. Precisou apenas uma ou duas quadras para avistarmos a sombra da mangueira e, debaixo dela, refletir sobre a boa vontade de nossos informantes. Todos queriam ajudar, mas alguns atrapalharam. De qualquer forma, é interessante como todos se prontificaram a contribuir com o que sabiam – ou pensavam que sabiam – sobre o caminho que deveríamos fazer. Até parece que sabemos mais do que outros sobre seus caminhos.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Do livro ao roteiro


“Adaptações de livros para o cinema rendem bastante para o mercado editorial, mas podem ser uma propaganda enganosa da obra. Vide o Melhor Roteiro Adaptado do Oscar 2009.”

Sim, ainda o Oscar! Acontece que no dia seguinte à publicação de meu último post, a Zero Hora publicou uma entrevista com Fernando Meirelles, diretor de “Cidade de Deus”, e Danny Boyle, diretor de “Quem quer ser um milionário?” (Melhor Diretor do Oscar 2009), sobre a semelhança entre suas produções.

Vale a pena ler a entrevista. Os diretores consideram normal a influência, pois tudo o que assistem serve como inspiração. Não tem mal nenhum. Boyle admite que assistiu o longa brasileiro umas quatro vezes. Ficou no inconsciente – e se tornou consciente na sua produção.

Mas o que me obrigou a reincidir no tema foi a observação de Meirelles acerca do Melhor Roteiro Adaptado do Oscar 2009. “Quem quer ser um milionário?” teve como base o livro "Sua resposta vale um bilhão", do indiano Vikas Swarup. Meirelles afirma ter lido a obra original e assinala que ela foi um pouco distorcida no premiado filme. O cineasta brasileiro não faz juízo de valor sobre a adaptação de Boyle, mas diz ter sido mais fiel à obra original em sua adaptação de “Cidade de Deus”, escrito por Paulo Lins. Segundo Meirelles, no livro, Jamal, o rapaz que se dá bem no programa de perguntas e respostas, cometeu dois homicídios, vive fugindo da polícia e sua amada não é uma virgem e sim uma prostituta.

É comum nos decepcionarmos com adaptações de livros para o cinema quando conhecemos a obra original. Sempre esperamos um retrato fiel daquilo que lemos. Só que literatura e cinema são expressões artísticas diferentes, têm suas particularidades e nem tudo é cinematográfico. Por isso, sempre que assisto a uma adaptação da qual ainda não li a obra inspiradora, fico curiosa para ver o que diz o livro e desvendar os detalhes que foram omitidos ou acrescentados pelo roteirista – e não o condeno por suas modificações. Uma obra não desmerece a outra. Mas confesso que sinto falta de lançamentos com roteiros originais. Os últimos filmes que tenho visto ou ouvido falar são adaptações de livros. As indicações ao Oscar servem de apoio ao que digo. Exceto, obviamente, os que concorreram a Melhor Roteiro Original, são poucos na lista que não tiveram a literatura como ponto de partida.

A verdade é que adaptações de livros para o cinema rendem bastante para o mercado editorial. É só ir até a livraria mais próxima e observar os livros mais destacados na prateleira: “O leitor”, “Contos da Era do Jazz” (que contém “O curioso caso de Benjamin Button”) e “O menino do pijama listrado” provavelmente estarão na lista. As editoras se apressam em relançar os títulos adaptados para o cinema e, atiçados pela dramaticidade das histórias, os leitores também se apressam para comprar. E é bom que comprem mesmo, pois o filme não substitui o livro e pode até ser uma propaganda enganosa da obra. Vide o Melhor Roteiro Adaptado do Oscar 2009.

quarta-feira, 4 de março de 2009

E quem não quer ser milionário?

“Nem sempre a cifra é o que vale. Estão aí o vencedor do Oscar 2009 e o BBB9 para comprovar”

Não pude ver a transmissão do Oscar 2009, no domingo de Carnaval. Não porque eu estava na folia, mas porque a Globo estava transmitindo o desfile das escolas de samba. Como não tenho TV a cabo, tratei de me informar no dia seguinte acerca dos vencedores. A crítica estava certa, “Quem quer ser um milionário?” levou o prêmio de Melhor Filme – e mais sete estatuetas.

Como a estreia do longa rodado na Índia está prevista para este fim de semana (6 de março) no Brasil, o jeito foi dar um jeito pra saber logo o que o vencedor do Oscar tem. Se é lícito ou não, já nem sei mais, mas, graças à internet, pude assistir o filme antes que ele fosse projetado nas salas de cinema mais próximas.

Não vou escrever uma crítica sobre o longa, que lembra bastante o nosso “Cidade de Deus”, não só pela locação – uma favela –, mas também pela montagem, com idas e vindas no tempo, sem contar certos elementos bem particulares, tipo: favelado fugindo da polícia, com direito a galinha correndo em cena. Só muda o esporte. O que me motivou a escrever este post não foi o milionário e sim o “milhão” em si. Isso porque a Globo não transmite o Oscar durante o Carnaval, mas não tira o Big Brother da programação nem chovendo canivete na Sapucaí.

“Quem quer ser um milionário?” é o nome de um programa de TV ao estilo “Show do Milhão”, onde os participantes vão somando fortunas a cada questão de conhecimentos gerais que acertam. O mote do filme é como pode um favelado chegar ao prêmio máximo enquanto mestres e doutores ficaram pelo caminho. O mérito do filme é conseguir enredar os acertos com o que a vida ensinou ao personagem. O resto do filme, recomendo que assistam, vale a pena.

O paradoxo entre o filme do Oscar e o reality show da Globo são as motivações dos personagens para disputar o milhão. “Isso aqui é um jogo”, é a frase mais repetida dentro da casa do BBB. É um jogo, mas não é de perguntas e respostas e sim de relações humanas. As pessoas se relacionam lá dentro. Umas por afinidade, outras por interesse, outras ainda por conveniência. Como na vida real, só que lá vale R$ 1 milhão. Todos querem o milhão. Quanto vale este milhão? Nem sempre a cifra é o que vale.

Para levar a bolada, um certo líder colocou no paredão um de seus “aliados” com o pretexto de querer “testá-lo”. O teste deu negativo e o amigo acabou indo embora. Esse mesmo líder deixou a namorada chutar o balde com outra moradora da casa e ainda praticamente tomou partido da outra, muito possivelmente para não se “queimar”. Vale mais o milhão do que a lealdade? Se não houve tempo ainda para criar laços tão profundos a ponto de chamar isso ou aquilo de lealdade, chamemos então de coerência. Vale mais ganhar o milhão do que ser coerente? E tudo porque “isso é um jogo”?

O jogo vale R$ 1 milhão. Todos querem o milhão. E quem não quer ser milionário? Certas atitudes, no entanto, mesmo quando o milhão está em jogo, não são toleráveis. Podem render alguns benefícios, é verdade, mas têm seu preço. O preço pode ser, inclusive, ficar sozinho com seu milhão. Não era isso que o milionário do Oscar queria.