segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Oração de pai


Ele traduziu, na fala seguinte, em uma sentença lógica, o cotidiano de sua profissão – creio que também o da minha: “Durante a operação, eu precisava ser racional, mas agora é o lado humano que conta”.


Nesta minha vida de ‘projeto de jornalista’ cada dia é um aprendizado. Pode ser das coisas mais divertidas, tipo receita de cerveja artesanal, até as coisas mais burocráticas, como tipos de relação de trabalho. Mas são principalmente as tragédias que nos pautam no dia a dia.

Um desses dramas humanos caiu no meu colo hoje. A história de uma jovem quase tão jovem quanto eu, portanto com tantos projetos e incertezas quanto eu. Acompanhava o caso desde o início, intermediando a apuração da jornalista no Vale do Sinos com a publicação dos conteúdos no site. Hoje, na folga dela, coube a mim a tarefa de relatar o enterro de Cristiana Reis, 20 anos, vítima da enxurrada na Reserva Ecológica da Família Lima no dia 20 de fevereiro.

Tinha ficado especialmente comovida com um vídeo da tragédia, que me fez automaticamente lembrar de uma situação muito parecida que vivi anos atrás. Parecida, porém nem de longe tão trágica. Ao contrário de nós, que podíamos rir de tudo horas depois, os amigos e familiares de Cristiana enfrentaram quase uma semana de angústia, até que seu corpo fosse encontrado e pudessem ao menos cumprir o ritual de despedida dignamente.

Por meio de uma amiga em comum – sim, o mundo definitivamente é pequeno – cheguei ao professor de dança da jovem e também outras amigas. A assessoria de imprensa da faculdade facilitou o acesso aos colegas de curso. A titular da pauta tinha deixado de herança o telefone do tenente que comandou as buscas durante a semana.

Eu, que na noite imediatamente anterior tinha atendido uma ligação do meu pai, emocionado, em lágrimas porque tinha visto no jornal uma página inteira escrita por mim, assimilei na hora o peso da declaração daquele tenente: “agora não é o tenente que está em ação, mas o pai”. Foi então que ele me contou que tem uma filha de 18 anos e traduziu, na fala seguinte, em uma sentença lógica, o cotidiano de sua profissão – creio que também o da minha: “Durante a operação, eu precisava ser racional, mas agora é o lado humano que conta”.

Não acredito que uma pessoa possa ficar inerte ao sofrimento de outra. Nem depois de 50 anos de jornalismo. Espero sobreviver até lá para constatar se estou certa ou errada a esse respeito. Enquanto isso, espero que as orações do meu pai continuem sendo fortes o bastante para que eu siga capaz de aprender a cada dia com a vida. Esta #vidadejornalista pela qual optei e me faz realizada.

Links do post:

>> Amigos resgatam a tradição alemã de fazer cerveja em casa e reunir a turma
>> As diferentes relações de trabalho
>> Levantando acampamento (e tais&coisas)
>> Jovem morta em enxurrada no sítio da Família Lima é sepultada em Caxias do Sul
>> "Ela estava sempre sorrindo", diz professor da jovem morta após enxurrada no Vale do Sinos

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