quinta-feira, 16 de julho de 2009

R$ 1,40 é pouco para matar a fome


As moedinhas dele somavam só R$ 1,40 e a fome que ele passava certamente era umas dez vezes mais cara que isso.

Fazia frio em Porto Alegre e o tempo estava nublado. A 24 de Outubro estava movimentada, como sempre, e a tia do cachorro-quente estava com a carrocinha montada, apesar do vento cortante. Fui lá comprar meu almoço, um dogão com duas salsichas e sem mostarda. Dali, eu tinha que sair em seguida, no primeiro ônibus para o Mercado Público. Antes, porém, vi um rapazinho entrar atrás de mim na fila do cachorro-quente.

Ele estava de chinelo e moletom – repito, fazia frio em Porto Alegre, o tempo estava nublado e o vento era cortante. Devia ter uns dez anos de idade, talvez um pouco menos. Olhou o cartaz com os preços dos lanches, abriu a mão, visivelmente trêmulo, tiritando de frio. Começou a contar as moedinhas. Escutei ele somando em voz baixa. Logo percebi que não era suficiente.

- Qual o cachorro-quente mais barato, tia? -, perguntou o guri.

- R$ 4,00 – respondeu a dona da carrocinha.

Nova contagem. O dinheiro ainda era pouco para o lanche mais barato. Foi então que perguntei:

- Quanto tu tens aí?

- Eu tenho... (mais uma conferida nas moedas que tinha na mão)... R$ 1,40.

Pior é que eu também não tinha o bastante para completar o lanche dele. Depois de pagar o meu, tinha me sobrado apenas um trocado para pagar o ônibus. R$ 1,00 era meu único excesso...

- Pega mais R$ 1,00 pra ajudar no teu lanche -, disse eu, com um olho no guri e outro na tia da carrocinha.

Mais que na hora, ele contou de novo as moedas e disparou:

- Faz um pra mim por R$ 2,40, tia?

Ela disse que sim, para a alegria daquele estômago faminto sabe-se lá desde quando. Na certa, mesmo o cachorro-quente mais completo ainda seria pouco para tanta fome. Mas o manteria vivo por mais algumas horas. E enquanto escrevo este relato, meu mp3 toca Armas químicas e poemas, do Engenheiros do Hawaii. “Qual a lógica do sistema?”...

3 comentários:

  1. É triste...
    saber que enquanto temos o que comer muita gente nao tem...
    é triste saber que uma criança de dez anos anda a algures de chinelos no inverno de porto alegre, enquanto a mesma devia esta a estudar e a brincar como qualquer criança.
    é triste saber que a medida que o tempo vai passando a pobreza no mundo vai aumentando...
    enquanto uns dao o luxo de pagar milhoes para um jogador de futebol, qualquer centimo destes milhoes podia estar a saciar a fome de muita gente...
    enfim.. é triste.

    parabens pelo texto...
    felismente tu foi o anjo do dia pr´aquela criança.

    bj do amigo Zé

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  2. Minha amiga! Às vezes leio com atraso teus lindos textos, mas não posso deixar de dizer que fostes perfeita em tuas colocações... mais uma vez! E já que falaste em música, tenho que te contar uma coisa emocionante que acabou de me acontecer: enquanto lia teu texto estava ouvindo o DVD do Rosa de Saron, não sei se tu conhece (e se gosta), mas a música deste momento dizia assim: "Hoje muitos choram, mas não desistem de viver". Fui às lagrimas pela sensibilidade das tuas palavras e também pela letra da música...

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  3. Fiquei a pensar que o tempo dessa narrativa é o tempo da angústia de alguém que conta o dinhero, conta fome, o tempo que não terá fome, e enquanto as moedas caem de uma mão para a outra, a fome avança, o olhar encurva, e a moça que está o lado acompanha, a dona da carrocinha acompanha, o mundo, a humanidade acompanha. Eu te acompanho, Taís.

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